Um pesquisador descobriu que precisamos dormir bem para manter o cérebro funcionando direitinho. Faltou descobrir que, sem água, morremos desidratados.
Mas a “descoberta” explica esse rangido dentro da minha caixa craniana. A sensação de peças soltas. De obsolescência não programada:
“Algo muito interessante acontece quando dormimos: o cérebro se retrai, é como se encolhesse. O processo elimina resíduos tóxicos, que são carregados pelo sistema glinfático”, diz Milstein, o tal pesquisador.
Meu cérebro — o que resta dele ainda em condições de uso — deve se expandir, para poder acumular mais resíduo tóxico. Porque, mesmo com as 40 gotas de canabidiol, não tenho mais que quatro horas de sono. Ou melhor, de pesadelo – não basta não dormir: é preciso que as poucas horas dormidas sejam para cair nos braços de Freddy Krueger, não nos de Morfeu.
Milstein preparou um guia para o sono bom. Forçando um pouco a barra, o fez em forma de acrônimo. Em inglês: B R A I N.
Balance: trabalhe seu equilíbrio;
Recall: exercite sempre sua memória;
Assessment: avalie com atenção o que não está funcionando;
Intensity of walking: ande num ritmo vigoroso pelo menos entre seis e dez minutos por dia; e
Number: que idade você se dá? Quem se sente mais jovem do que a idade cronológica que tem acaba tendo um cérebro efetivamente mais jovem.
Como manter o equilíbrio vivendo num país como o Brasil? Ou morando num condomínio que não fica atrás, em balbúrdia, daquele navio de cruzeiro do Wesley Safadão? Como exercitar algo que já não existe? Avaliar o que não funciona, quando o que não funciona é justamente o órgão que serve para fazer avaliações? Como andar em ritmo tendo que esperar que os cachorros cheirem tudo o que encontram pela frente? Só me dou bem no N de number of years: me sinto mesmo mais jovem – 15 minutos mais jovem, mas já é melhor do que nada.
E eu, que não sou pesquisador, mas tenho norráu de mais de seis décadas de insônia crônica, faço o guia das noites mal dormidas, mas em português (caso ninguém note, também um acrônimo, com C É R E B R O):
Conchinha: não existe “dormir de conchinha”. Quem consegue dormir com o nariz enfiado no cabelo de alguém, ou com alguém fungando na nuca? Dormir é que é o verdadeiro prazer solitário;
É complicado: sim, é complicado fazer acrônimo com letra acentuada; não tanto quanto com Ç, mas é;
Rivotril: uma espécie de Bombril na vida do insone. Relaxa os neurônios, rebaixa a tensão, rebate a ansiedade e evita que o cérebro rebobine a fita do dia e fique recapitulando os erros, as gafes, os micos e as manotas;
Esquecimento: a insônia mantém intactos os neurônios responsáveis pelo superego, pelas cobranças, controles e culpas – e detona aqueles encarregados de lembrar senhas, datas, nomes, caras, compromissos. As palavras somem no meio das frases como uma… uma… bem, elas somem;
Barulho: noites indormidas ou mal dormidas aumentam a sensibilidade ao barulho. Sim, uma desgraça nunca anda só: junto com a insônia vem a misofonia. O ronco do vizinho do 207 (você mora no 904) torna-se insuportável;
Ronco: insones não roncam; se roncamos é porque estamos dormindo — logo, só os outros, os não insones, é que roncam; e pouca coisa estressa mais um pobre insone que o ronco alheio — porque nos impede de dormir, e nos mata de inveja;
Olheiras: dormir mal não ferra apenas com o cérebro. Dá olheiras, dor nas costas (de tanto revirar na cama), irritabilidade, mau humor, aumentam a propensão a obesidade, diabetes, hipertensão e problemas cardíacos.
Há de aparecer algum estudo (sempre aparece) indicando que quem dorme pouco (ou não dorme) tem mais tempo para ler, escrever, ouvir música, maratonar séries, lavar louça, emparelhar meias, namorar, achar as tampas dos tapoés.
Namorar como, com olheiras, dor nas costas, mau humor e o vizinho do 207 roncando daquele jeito?
São 2h30 da madrugada. Assim que terminar este texto, vou organizar a gaveta das meias e tentar encontrar as tampas daqueles potes, aqueles… como é que se chama aquilo mesmo?