Tudo era muito mais fácil quando os pecados mortais se limitavam a sete. Avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba davam conta do recado.
Num passado remoto, melancolia, orgulho e vanglória faziam parte da lista, mas algum monge melancólico, e que se vangloriava, orgulhoso, das próprias virtudes deve ter feito uma edição desinteressada e ficamos neste número cabalístico: sete. Talvez para combinar com os sete mares, as sete notas, os sete chacras, as Sete Quedas, as sete vidas dos gatos, os sete dias da semana, as sete cores do arco-íris, o sete-peles.
Pode ser que venha daí a expressão “pintar o sete”, significando gabaritar o index – mas é só achismo.
Não há coisa boa da vida que não esbarre em um pecado. Pense em uma. Qualquer uma. Viu só? Se é bom, é pecado.
Achando que pouco mais que meia dúzia de pecados não era suficiente, uma igreja do Distrito Federal houve por bem ampliar o rol das sete maravilhas da psique humana, e elevou o número para 108.
Incapazes de usar apenas substantivos, de achar o substantivo equivalente a um adjetivo ou por não saberem a diferença entre substantivos e adjetivos, os compiladores misturaram “caçoador” e “RPG”, “briguento” e “pacto satânico”, “lascivo” e “primeira comunhão”, “cobiçoso” e “sadomasoquismo”, “violento” e “vodu”, “acomodado” e “racionalismo”, “covarde” e “murmuração”. E ainda assassinaram a ortografia, com “assasinato”, “drogras” e “pronografia” (usar o corretor ortográfico também deve ser considerado pecaminoso nessa seita).
Meu conceito de pecado é outro: as coisas realmente abomináveis. Que atrasam a marcha da Humanidade rumo ao paraíso terrestre. Ou, pelo menos, estragam o dia, baixam o astral, dão nos nervos.
Da lista oficial, a da Igreja Católica, eu retiraria a gula, a luxúria e a preguiça. E o faria, assumidamente, em causa própria: sou de Touro, e sabe como é, né? Para compensar, incluiria uma penca:
- Colocar pimentão na comida. Qualquer comida. Em qualquer quantidade. Sob qualquer circunstância.
- Guardar pimentão na geladeira. Até os cubos de gelo ficam com gosto de pimentão.
- Beijar depois de ter comido pimentão.
- Compactuar com a existência do pimentão.
- Arrastar móveis.
- Ligar equipamento de som na praia. Na piscina. Em locais públicos. Ou privados. Ligar equipamento de som, em suma.
- Chupar Halls ou fazer gargarejo com Listerine antes do sexo oral.
- Usar sujeito duplo. Começar frase com “Então”. Dizer “aí” como se fosse vírgula.
- Maltratar animais. Compactuar com maus tratos a animais.
- Fazer fofoca pela metade.
- Pronunciar “catarse” como se fosse “catarze”. Não que esteja errado (a pronúncia é aceita). Mas só perdoo se a pessoa também disser “farza” no lugar de “farsa” ou “entorze” no lugar de “entorse”.
- Passar pano para corruptos, mentirosos, boquirrotos.
- Usar camisa polo para dentro da calça.
- Reprimir a criatividade, a sexualidade, a liberdade de crença ou de pensamento, como faz a tal seita do Distrito Federal.
Mas é melhor deixar o pecado do jeito que está, dando um sabor de coisa proibida aos prazeres do corpo e da alma.
Se tivermos que ampliar a lista, que seja para dar esse gostinho a gozos ainda não interditados — como a xícara de café pela manhã, o banho frio (se for no Rio) ou pelando (se for em Curitiba). O cheiro de lençol da casa da avó. A mãe cantando alguma canção. A ternura de mãos se encontrando, a massagem nos pés, o arrepio na nuca. Ser recebido em casa com latidos e rabos abanando. Ter uma rede na varanda, um livro na cabeceira, pão com manteiga saindo do forno, água de coco na geladeira.
É um pecado que nada disso seja pecado.