Chega de escrever texto político ou metido a engraçadinho. Vou escrever é novela — e ficar famoso (rico eu acho que seria querer muito, mas, vai que).
Meu estilo? Nada de intermináveis cafés da manhã com empregada participando da conversa, ricaças esnobes e fortões descamisados faça chuva ou faça sol. Minha novela será o que foi Beto Rockfeller décadas atrás: revolucionária, uma pegada realista, quase documental.
O protagonista é Paulo César, magnata do petróleo, que começou na empresa como estagiário, selecionado pelo currículo no Linkedin. É casado com Tamara, uma ricaça esnobe. Ops, não ia te ricaça esnobe. Bem, Tamara pode ser uma milionária esnobe. Têm dois filhos: Beatriz, adolescente mimada e egoísta, e Otávio, nerd que quer salvar o planeta sem sair da frente do computador.
Beatriz se apaixona por Bráian, motoboy que se faz passar por empresário bem-sucedido (Bryan), usando as roupas que pega na lavanderia onde trabalha. Otávio não namora ninguém, mas conhece, pela internet, Olga Valentina, uma bela ucraniana que precisa se casar com um estrangeiro para fugir de seu país, onde o pai, renomado cientista, sofre perseguição política.
Tamara, entretanto, esconde um segredo. Ela é transgênero. Num cofre, em seu iate, guarda a certidão de nascimento, com o nome de Itamar — o mesmo que deu ao filho que teve antes de operar e se casar com Paulo César. Para apagar o passado, despachou mãe e filho para Miami, num contêiner.
Numa viagem a Aparecida do Norte, onde foi pagar promessa por ter conseguido engravidar após a transição de gênero, ela conhece Vladimir, ambicioso bispo russo, e foge com ele para Moscou, sem contar que é casada, trans, pai de um rapaz e mãe de um casal de adolescentes. Paulo César, desesperado, lança o iate contra as Ilhas Cagarras, e afunda junto com ele (e com o cofre), deixando toda a sua fortuna para um convento de clarissas descalças em Macaé.
Na miséria, Beatriz tenta dar o golpe do baú casando-se com Bryan/Bráian, mas o motoboy é alertado por Madre Alexandra, a clarissa descalça que foi sua ama de leite e conseguiu emprego para ele na lavanderia — que é mesmo uma lavanderia, mas de dinheiro do narcotráfico. O chefe da máfia é um ucraniano, que se faz passar por cientista (ele mesmo, o pai de Olga Valentina), e que tem um caso com Madre Alexandra — única pessoa que conhece o segredo de Fátima. (Fátima, que só aparece no capítulo 90, é a mãe do filho de Tamara, quando ela ainda era Itamar.)
Instigado por Olga Valentina (que continua precisando desesperadamente fugir da Ucrânia agora que descobriu que o pai é narcotraficante), Otávio invade o convento para recuperar sua parte na herança, mas se apaixona ao ver os pés descalços de Maria Eugênia, uma noviça — sem saber que ela é, disfarçada, seu meio irmão Itamar, que havia sido adotado por Vladmir (atual amante de sua mãe, Tamara) quando vivia como exilado cubano em Miami.
Só que Paulo César não morreu no afundamento do iate. Foi resgatado por Fátima, que o encontrou flutuando em Paquetá, agarrado ao cofre. Usando as habilidades de decodificação que aprendeu para se safar do contêiner, ela descobre o segredo do cofre (esse é o segundo segredo de Fátima) e decide chantagear Tamara. Paulo César, desmemoriado após o acidente com o iate, funda uma igreja pentecostal e fica milionário de novo — sem saber que uma das obreiras é sua filha Beatriz.
Beatriz se torna seu braço direito, e, na inauguração do centésimo templo, em Moscou, ela reencontra a mãe, Tamara — que, por sugestão de Vladmir, reverteu a cirurgia e voltou a ser Itamar. No momento em que vão se falar, o teto do templo desaba, deixando Paulo César (agora Pastor Jeremias), Tamara (agora de novo Itamar) e Beatriz (agora Apóstola Paula) em coma, entre a vida e a morte.
Numa experiência coletiva de quase morte, os três saem dos respectivos corpos e descobrem quem são. Rola o maior barraco astral. Paulo César (Pastor Jeremias) se sente traído e atira em Tamara (Itamar), que morre nos braços de Beatriz (Apóstola Paula). Morta, Tamara/Itamar não consegue retornar ao seu corpo, que é ocupado por seu ex-marido (ou seja, Paulo César / Pastor Jeremias, sai do coma como Itamar, ex-Tamara). A apóstola Paula ocupa o corpo do seu ex-pai (ex-Paulo César ex-Pastor Jeremias, agora Itamar/Tamara), e seu corpo é enterrado como indigente, não sem antes ter seus órgãos roubados pela máfia russa. Nada disso faz sentido, mas ninguém vai perceber.
Desgostoso, Otávio parte no iate (que foi recuperado do fundo da Baía de Guanabara), em companhia de Olga Valentina (que fugiu da Ucrânia durante a pandemia), para tentar esquecer Maria Eugênia e despoluir o Ártico — sem saber que Olga nada mais é que um perfil feique que Bráian criou no feicebuque para atrair o ex-cunhado para uma cilada. Maria Eugênia (na verdade, Itamar Jr), que ouvia tudo atrás da porta, salva Otávio e deixa Bráian amarrado num iceberg, para ser devorado pelas focas.
Há uma passagem de tempo, o aquecimento global derrete o iceberg, Bráian consegue se soltar e nada até o iate, onde arruma emprego como mordomo, ficando encarregado de cuidar de Paola e Paulina, as filhas gêmeas de Maria Eugênia (Itamar Jr) e Otávio (que, milagrosamente, tem o mesmo nome e o mesmo sexo desde o início da trama). As gêmeas foram concebidas por inseminação artificial, com óvulos de doadora anônima. A mãe biológica das crianças não é outra senão… Madre Alexandra, que tinha dupla personalidade, fazendo-se passar por Vladimir – que não sei se vocês se lembram, era… bem, eu não faço mais ideia de quem era o Vladimir.
No último capítulo, um entregador de pizza — que recebeu os órgãos retirados do corpo da Apóstola Paula — sequestra as gêmeas Paola e Paulina, e foge com elas para Juazeiro do Norte, onde as entrega a Fátima para que faça delas uma dupla de cantoras de sofrência (este será o seu terceiro segredo).
Talvez seja melhor deixar as novelas para quem é do ramo. Mas cheguei a fazer uma lista de atores que, com um bom côutchim, dariam conta de fazer o papel do iceberg, de cofre e de ilha Cagarra.