Várias espécies animais alimentam-se de fezes; por isso, são chamados tecnicamente de coprófagos.
Sem dúvida, se comem e continuam existindo como espécies viáveis, é porque tal estratégia alimentar deu certo em seu processo evolutivo, e a seleção natural tem considerado válida a forma pela qual essas espécies se alimentam. Portanto, bola para frente!
No caso humano, eu desconheço esse tipo de comportamento alimentar. Pode até existir ou ter existido, mas eu desconheço.
Só que o Rio de Janeiro, sempre na vanguarda no Brasil e no mundo, como também ícone das manias de verão nacionais, pode estar a um passo de uma nova fase em termos alimentares ou de uma nova “moda”.
Destaco que, desde 1999, eu, pessoalmente, tenho denunciado a condição de extrema insalubridade do ponto de captação da água da estação de tratamento do Guandu. Desde então, essa situação nunca gerou muito mais do que uma matéria-denúncia seja na mídia escrita, seja na mídia televisiva, sem maiores consequências. Essa situação de resiliência patológica apenas mudou em janeiro de 2020, a partir do momento em que a pasta de fezes, transformada em água potável pela alquimia da estação do Guandu, começou a feder.
Nesse contexto de aceitar o inaceitável desde que não incomode o paladar e o olfato, eu fico imaginando que estamos muito próximos de uma nova fase de nossa aceitação do inaceitável.
Para quem não entendeu ainda a gravidade da situação, repito: desde 1999, a situação da estação do Guandu era essa, talvez menos pior, mas, em termos práticos, igual à atual, sem que ninguém se incomodasse com o tipo de água (pasta de fezes e cia.) que gerava a água potável e que chegava a nossas torneiras. Desde que não tivesse odor nem gosto, tudo bem, podia ter o que tivesse, pois o que o nariz nem a língua sentem, o cérebro não se incomoda.
Muito bem, entendido o contexto desse circo de horrores socioambiental, antevejo que, diante da metástase que imprimimos às nossas bacias hidrográficas e demais ecossistemas, onde de tudo é jogado, não apenas na água, como no ar e na terra, o próximo passo da espécie humana que vive por essas paragens é comer fezes! Seria a aparição do Homo coprofagus, ou popularmente “come merda”!
Claro que os excrementos deverão ser tratados, preparados por conta dos “chefs” da “gastronomia fecal” de tal forma que os odores característicos e os seus formatos operacionais não lembrem a origem da matéria-prima. Desde que devidamente enfeitados e purificados, deverão ser amplamente aceitos, como acontece com a água.
Pelo menos é isso que tem acontecido com a água! Se pode com a água, por que não pode com a comida?
Aliás, já comemos, sabendo e não sabendo, tanto lixo industrial, tanto agrotóxico nos alimentos que talvez os excrementos nos façam até bem! Quem sabe nos façam refletir, pensar e agir – coisas que andam bastante limitadas ultimamente.
Pois é, olhando para trás, lá pelo ano de 1987 e para a frente, neste verão de 2020, sinto uma profunda angústia, uma profunda urgência diante do monstro que criamos, uns por ação e a maioria, por inanição, pois já passamos da fase da omissão.
Enquanto isso, o processo que me persegue por calúnia e difamação desde 2018 continua “rolando”, justamente pelo contexto ambiental, pessoal e profissional de não aceitar ser cúmplice do ecocídio que tem por palco a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Espero que quem for me julgar, por algo que não fiz, avalie toda essa situação, pois o tempo das omissões já passou, e as cobranças por conta da Natureza batem a nossas portas a cada minuto.