Levantei no dia 16 de junho de 2021, sem ter dormido bem.
Uma mistura de ansiedade, nervosismo, incredulidade, cansaço e temor de estar, mais uma vez, alimentando uma expectativa que não daria em nada. Afinal, já tinha acompanhado enredo parecido nos jogos Pan Americanos e Olímpicos, onde as autoridades brasileiras arrotavam para o mundo os tais legados ambientais que nunca saíram do papel.
Conduzi, às 7:30 da manhã daquela quarta-feira nublada, uma equipe da TV Globo para, mais uma vez, pelos mesmos pontos que eu há 29 anos percorro, mostrando ao jornalista Chico e ao cinegrafista Martinez as tristes imagens de um conjunto de ecossistemas em profunda agonia.
Foram centenas de vezes conduzindo equipes da imprensa do Brasil e do resto do mundo, naquelas lagoas arrasadas, fruto do descaso, da impunidade e do que eu considero ser a nossa maior herança maldita: a cultura do pau-brasil, a forma predatória que temos de pensar e interagir com os recursos naturais. Afinal, continuamos sendo uma colônia de exploração apesar de todo o discurso politicamente correto de palanque, botequim ou face!
Depois de ter mostrado nosso estoque de sofás, pneus, poltronas, caixas d´água e muito lixo de todo o tipo, lixo constituído basicamente por plástico e, portanto fadado a ficar nas margens se amontoando para todo o sempre junto com a emanação permanente de gases provenientes do fundo pútrido das lagoas, produto do aporte permanente de esgoto dos valões de esgoto nos quais os rios se transformaram, parti para o encontro com as autoridades.
Muitos elogios de parte a parte, mas o principal ainda não havia acontecido. A visita ao sistema lagunar era o momento aguardado até porque, de elogios e boas intenções, eu e o sistema lagunar já estamos cansados de ouvir.
Junto ao governador, de seu secretário de Meio Ambiente e dos representantes das concessionárias que assumiriam os serviços de saneamento do sistema lagunar de Jacarepaguá como da Baía de Guanabara e de seus gigantescos passivos ambientais, lá fomos nós em direção à lagoa da Tijuca, a maior vítima do processo de degradação de toda a região.
Em certo momento de completa descontração, o senhor governador me perguntou à queima-roupa: “Moscatelli, essas lagoas são recuperáveis?” Eu, prontamente, respondi: “Claro que sim, governador, pois o que até hoje vinha faltando era vontade política!” Rapidamente, o governador me retrucou: “Quem garante essa recuperação?” Novamente respondi automaticamente: “Eu!” O governador me olhou e disse: “Então, tá bom”!
Talvez esse rápido diálogo o governador não irá lembrar diante de tantos compromissos diários que tem sobre tantos e diversificados assuntos, mas, para mim, foi um momento precioso profissionalmente. Afinal, a autoridade máxima do estado do Rio de Janeiro confiava em meu histórico profissional quando eu lhe garantia a exequibilidade da recuperação do sistema lagunar, atualmente uma imensa cloaca.
Refleti, lembrei o que já passei pela defesa do ambiente e sinceramente fiquei orgulhoso pela educação de qualidade que meus pais e professores me transmitiram. O investimento feito estava dando resultados geográficos na potencial melhora ambiental e na qualidade de vida de uma região com um milhão de habitantes. Estava cumprindo meu papel e mais um passo em minha missão.
Pude mostrar os lançamentos de esgoto pelas galerias de águas pluviais, os rios transformados em valões de esgoto, sentenciando nossa fauna residual a viver no meio de resíduos e fezes humanas e principalmente agradecer o empenho do atual secretário estadual de Ambiente, com o qual, depois de 20 anos, sim, 20 anos de espera, conseguimos, instalar três ecobarreiras nos principais rios e canais que transportavam, diariamente, dezenas de toneladas de resíduos para o sistema lagunar, agravando ainda mais o assoreamento regional.
Como o próprio governador disse, o Moscatelli sabe criticar, mas também elogiar.
Agora, é arregaçar as mangas e, como numa verdadeira guerra, atacar o processo inimigo que degrada o ambiente.
Não será fácil nem num toque de mágica, que décadas de descaso e degradação serão revertidos, mas, como disse aos representantes das novas empresas que assumem o trabalho de saneamento, precisamos mostrar resultados práticos com cronogramas claros em horizontes de curto, médio e longo prazo, pois a Natureza tampouco a sociedade aguentam mais esperar pelos resultados apresentados em eventos e que infelizmente, até hoje, só ficaram no powerpoint.
Destaco que, para a recuperação se consolidar de forma longeva e proporcionar o desenvolvimento econômico sustentável da região, será fundamental que o município do Rio de Janeiro e demais municípios invistam em planejamento urbano, ordenação do uso do solo e políticas habitacionais, caso contrário, voltaremos a um processo mais do que conhecido de secar gelo.
Finalmente, nesse sentido é que sugiro que os municípios aquinhoados pelos recursos provenientes da privatização da estatal invistam esses recursos com profunda sabedoria, isto é, em políticas habitacionais e saneamento das comunidades. Sem essa íntima articulação, entre as ações da iniciativa privada e do poder público municipal, correremos o risco de não completar a contento a recuperação, seja do sistema lagunar, seja da Baía de Guanabara.
Podemos recuperar, disso eu não tenho a menor dúvida, mas precisamos querer e saber fazer!
O biólogo Mario Moscatelli, desde 1988, defendendo e recuperando os recursos naturais costeiros entre as baías de Guanabara e Ilha Grande.