Somos constituídos basicamente de água — a vida como a conhecemos é água. Não por outro motivo, enquanto destruímos a qualidade da água do planeta Terra, buscamos, em outros planetas e satélites, esse mesmo elemento, visando identificar potencialmente a vida que não respeitamos e exterminamos por aqui — coisa que nem Freud explica.
Nesse tal planeta Terra, num lugar chamado Brasil, anualmente se comemora não sei bem o que a respeito da água, num país que, apesar de megadiverso e uma das principais potências hídricas (água doce) do Planeta, pouca ou quase nenhuma importância tem sido dada ao tema; muito pelo contrário, tem se especializado em destruir esse estratégico recurso natural.
Para isso, basta ver a situação do saneamento no País, retratada por organizações especializadas no tema, em que o esgoto de metade da população não recebe nenhum tipo de coleta e/ou tratamento, isto é, é vazando direto da latrina para valas, rios, lagoas, baías etc.
Se levarmos em conta a segunda Região Metropolitana do Brasil (Rio de Janeiro), a situação beira o escárnio, o terrorismo ambiental de estado, em que tudo é aceitável desde que gere alguma vantagem econômica e/ou política para o degradador, seja ele quem for, agente público ou privado, pois o negócio é faturar.
Sobrevoando a Região Metropolitana do Rio, desde 1997, tenho acompanhado a transformação de praticamente todos os rios da região em imensos valões de esgoto e lixo sem vida, resultado do crescimento urbano desordenado, da falta de políticas públicas permanentes na área de habitação e da falta da universalização do serviço de coleta e tratamento de esgoto. Em resumo, um verdadeiro caos ambiental.
Consequência da transformação do saneamento numa máquina de fazer dinheiro fácil, uma grande maioria paga por serviços casados, ou seja, água e esgoto, sem que esse segundo produto normalmente seja entregue com a qualidade esperada. Em detrimento desse estelionato institucionalizado, quem detém o monopólio do serviço cobrado e não prestado transforma todos os corpos d’água, doces, salgados ou salobros em latrinas, impetrando contra sua fauna associada o extermínio de qualquer coisa da coluna d’água que precise de oxigênio para sobreviver. Enquanto der lucro, onde praticamente nenhuma estrutura pública gera qualquer ação prática, para que de fato se neutralize a degradação e punam-se os delinquentes ambientais, o circo de horrores ambientais continuará.
Independentemente de qual seja a região, pobre ou rica, o tratamento dado à água é típico das colônias de exploração, tendo por objetivo usar o recurso, seja ele qual for, até esgotá-lo, sempre em detrimento da maior vantagem econômica possível no menor espaço de tempo. Tem sido assim desde sempre, e não parece que tenhamos vontade enquanto a sociedade não mudar essa forma de pensar e agir, pois, num primeiro momento, essa mesma sociedade foi vítima, mas faz tempo que tem se transformado em cúmplice desse ecocídio.
Nada parece obrigar os tomadores de decisão públicos — muito dos quais eleitos – a mudarem a trajetória de extermínio da qualidade da água bem como dos que dela dependem. Portanto, se não é prioritário para o eleitorado, não será da parte das excelências eleitas, “sempre atentas” para as demandas de seu eleitor.
Destaco a situação degradante do ponto de captação de água da estação de tratamento do Guandu, onde três valões de esgoto (rios Ipiranga, Poços e Queimados) despejam diariamente milhares de metros cúbicos de esgoto na água que será utilizada para abastecer por volta de 75% da população da Região Metropolitana do Rio, mesmo que devidamente tratada na estação do Guandu, transformando aquela pasta de esgoto em água potável.
Há de se chamar a atenção que tantos outros poluentes contaminantes, tais como hormônios, metais pesados e toxinas oriundas de potenciais florações de cianobactérias nocivas, até onde eu sei, não são removidos da água tratada. Portanto, imagine o que pode estar chegando a nossas torneiras?! Fato a se investigar e monitorar permanentemente!
Não tenho dúvida de que, durante as comemorações do Dia da Água, muitas das excelências que pouco se importam com a gestão de fato de nossos corpos d’água e de seus ecossistemas associados, estarão, no tal dia, falando sobre sua importância e como devemos agir civilizadamente para protegê-la, blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá, e por aí vai. Acredite nessa turma quem não a conhece de perto.
Eu, da minha parte, continuo sendo um solitário biólogo que, por meio do projeto “Olho Verde”, tem retratado e denunciado sistematicamente, em imagens, a barbárie, a hipocrisia, a prepotência de uma cultura voltada exclusivamente para usar até acabar. Destaco que, do jeito que vai, vai acabar mal para todos nós, que dependemos da água, e até que provem o contrário, por muito tempo, ainda temos apenas esse belo Planeta Água para consumir até seu esgotamento.