Se, muito rapidamente, analisarmos a geomorfologia do Rio, facilmente entenderemos que a cidade é naturalmente, ambientalmente vulnerável. Não há muito o que filosofar sobre o assunto — é o que é.
Outros lugares no mundo têm terremotos, tsunamis, furacões, erupções vulcânicas, mas, apesar de, por aqui, não haver nada disso, temos uma cultura colonial, administrativa e social, voltada ao abuso da paciência do ambiente. Repito: naturalmente vulnerável.
As chuvas do início da semana, no início de novembro, mostraram que continuamos, de forma geral, em berço esplêndido, acreditando que o “Rio continua lindo” e que o “Brasil é abençoado por Deus”. Opinião diferente tem a cidade que, a cada chuva de proporções medianas, fica debaixo d’água. Nada de novo!
Nada de novo também na precária manutenção do sistema de drenagem a cargo do município, como na falta de educação básica da população, que não se emenda e continua utilizando os espaços públicos como sua lixeira. O resultado é o mesmo de sempre: cada um culpando o outro e as ruas alagadas na melhor das hipóteses. Infelizmente, carioca é porco e burro! (com todo o respeito aos espertos suínos e simpáticos equinos).
De novo mesmo, apesar de todos os estudos à disposição, é o crescimento das causas do agravamento da vulnerabilidade geomorfológica da cidade. Não houvesse sequer um morador, que a cidade não existisse, mesmo assim, haveria inundações e escorregamentos. No entanto, tudo sob o controle da Natureza e sem maiores consequências.
No entanto, por motivos que dariam várias teses de doutorado nas áreas mais diversificadas do conhecimento humano, desde o fim da Guerra de Canudos, as ocupações precárias, denominadas favelas, e o crescimento urbano desordenado têm sido a regra não apenas na “Cidade Maravilhosa” como também em todo o território nacional.
Com lampejos aqui e acolá, espaçados temporalmente conforme o gosto de quem senta na cadeira, planos de habitação nascem e morrem, sem, de fato, resolver a demanda crescente pelo direito básico constitucional à moradia.
Está na lei, mas essa é mais uma que fica na utopia do mundo jurídico-político, mas preocupado com questões “mais relevantes” e corporativas. Voltando à cidade do Rio de Janeiro, eleição após eleição, os administradores públicos eleitos pelo “polvo”, continuam apagando incêndio com gasolina. Dessa forma, as encostas vão sendo engolidas pelo crescimento urbano, e o que dá estabilidade a elas num panorama climático, muito provavelmente fora do contexto atual, vai sendo suprimido, isto é, suas matas.
Paralelamente à supressão das matas em andamento pela turma do andar de baixo, o Executivo municipal encaminhou, segundo matéria recente do jornal O Globo, à Câmara de Vereadores mudanças nos parâmetros de ocupação dessas mesmas encostas, não sei bem com que objetivo técnico. Fiquei, no mínimo, perplexo, pois independentemente de que forma irão sair esses novos parâmetros, ficou de combinar com as encostas e com o novo provável padrão climático o que ambos acham da iniciativa humanoide local.
Vale lembrar as chuvas do início de 2019, que causaram escorregamentos na Avenida Niemeyer, até hoje interditada, onde a instabilidade das encostas ocorreu tanto em áreas ocupadas desordenadamente como naquelas onde não havia sinal algum de ocupação. Em resumo, a quantidade de água que “desceu” nas chuvas foi maior que a capacidade natural da cobertura vegetal de manter estável a encosta, e deu no que está dando, obras que se arrastam sem um horizonte de finalização e estabilização de fato daquela importante encosta.
Agora, para finalizar meu raciocínio sobre a futura viabilidade da cidade do Rio de Janeiro, do ponto de vista econômico e ambiental diante de um hipotético cenário de chuvas torrenciais não apenas num trecho reduzidíssimo no maciço da Tijuca voltado para o mar, mas de uma forma mais “democrática” afetando as ocupações devidas e indevidas nos maciços da Tijuca e Pedra Branca sem esquecer do efeito nas baixadas, onde, só na favela de Rio das Pedras, moram estimados 70 mil moradores, como ficaria o poder público diante de uma situação dessas?
Simplesmente ficaria “de quatro”, pois o volume de recursos para dar conta das demandas emergenciais como as de médio e longo prazo simplesmente não existem! Pelo menos essa é a leitura que se tem pela atual precariedade dos serviços básicos oferecidos para o andar de baixo em momentos de calma climática e que são e deverão ser os mais afetados.
Portanto, acompanhando outras tragédias socioambientais ocorridas, por exemplo, em nações tidas como organizadas e com muitos recursos de toda espécie para esse tipo de situação, como no caso icônico do furacão Katrina que varreu Nova Orleans em 2005 e que foi uma tragédia, fico imaginando o quadro numa cidade como a do Rio de Janeiro, onde normalmente, sem nenhum problema ambiental, já vivemos em condições precárias de drenagem, saneamento etc etc etc.
Finalizo, como gestor ambiental, especializado em recuperar e evitar tragédias socioambientais, que a perspectiva atual para futuros eventos climáticos extremos, muito provavelmente a regra daqui para frente, pode, dependendo da extensão do mau humor climático, tornar o município do Rio inviável economicamente, diante de um evento extremo de proporções geográfica metropolitanas.
Claramente não aprendemos quase nada de forma prática com as tragédias de 1988, 1996, 2010 e da região Serrana, bem como com tantas outras que aconteceram desde 1966, para estabelecermos algum limite temporal.
Salvo meu engano, as chuvas torrenciais estão se tornando cada vez mais frequentes e as causas do aumento da vulnerabilidade natural continuam crescendo por toda parte, para a felicidade de alguns em detrimento do “resto”.
Em português bem objetivo: vai dar merda!.