“Me lembro de, aos 5 anos, já ficar encantada com a bateria nos blocos em Niterói, onde eu morava. Sempre frequentei lugar de samba; vou à Marquês de Sapucaí desde o tempo que a arquibancada era montada e desmontada. ‘Foi um rio que passou em minha vida’; o primeiro samba que ouvi me deixou fascinada. Esse samba é maravilhoso, uma entrega, a música, a letra, tudo.
Quando Paulinho, diretor de bateria da Caprichosos me convidou para a escola, em 1987, eu perguntei: “Posso sair na frente da bateria?” E ali fui recebida de braços abertos, mesmo sem ser uma pessoa conhecida. Sobre meus seios estarem à mostra, foi ideia minha e de uma passista; nós é que bolamos isso na casa dela. Somos amigas até hoje. Nunca imaginei aquela fantasia com sutiã. Fui ali pra ser feliz, encantada — mas nunca soube de onde vem esse amor. Sei dizer que a vida toda o carnaval me comoveu e com a certeza de que eu era bem-vinda, as pessoas do samba se reconhecem, se encontram, se percebem.
Tenho dois grandes amores na vida: filhos e Avenida. Em 1996, desfilei dois meses depois do nascimento do Olin, de quase 5 quilos; ele nasceu em dezembro, e o carnaval foi em fevereiro, eu estava amamentando. Fui como uma malabarista; entre sair de casa, desfilar e voltar, foram exatas três horas: amamentei, desfilei, voltei, amamentei — tinha feito cesariana, claro que senti dor, mas assim ninguém ficou infeliz. É isso que um filho faz, é isso que o samba faz, é isso que o amor faz. Fora que não podia ensaiar para ficar com meu bebê. Isso mostra que ser madrinha de bateria, pra mim, não era profissão, era paixão.
E os enredos fazem todo sentido, falam da liberdade à escravidão, assuntos legítimos. Eu descobri, por exemplo, que o barão de Langsdorff, alemão que veio para o Brasil catalogar plantas, e não quis mais voltar, era meu tetravô, através da Estácio de Sá, quando o enredo foi a vida dele. Eu também vim a ser enredo em 2012, uma grande honra pra mim.
Não teria como eleger os maiores momentos, seria como perguntar que filho uma mãe prefere, mas, no ano que a bateria se ajoelhou, eu queria mostrar minha união com ela e reverenciar a Avenida. Foi muito emocionante! Em 1998, quando desfilei de coleira com o nome do Eike (o empresário Eike Batista, ex-marido), o que foi apenas uma brincadeira, virou tema para gente mal-humorada. Quando esse assunto surge de novo, pergunto se uma mulher submissa sambaria de maiô na frente de 300 ritmistas.
Hoje, assisto com muita emoção, o carnaval me dá alegria, preenchimento, luz, muito sentimento nobre. Mestre Ciça, da Viradouro, por exemplo, é uma das paixões da minha vida, por tanta generosidade e por toda confiança depositada em mim. Parei em 2009, sabendo que poderia ir um pouco mais; nesse percurso, consegui tocar o coração de muita gente.
Atualmente, quando recebo filmes, fotos, imagens desses desfiles, é como se recebesse um abraço. Tenho muitos momentos inesquecíveis — a vibração das pessoas na passagem da escola é um deles, é maravilhoso. Sempre que lia algum olhar, era de bem-querer. Já disse antes como amo aquele chão, aquela energia, aquela força que emanam dali. Me considero uma das representantes da alegria do povo do samba e sinto que não deixam a minha história morrer, contam mais e melhor do que eu, sinto que fiquei na memória afetiva das pessoas.”