A maior potência da humanidade — e também o maior dos mistérios — está nas infâncias. É na infância que encontramos o portal do conhecimento mais profundo sobre afetos, imaginários, memórias, percepções e sentimentos.
A diversidade das infâncias no Brasil é atravessada por simbologias de misturas culturais, uma espécie de pedra de toque rara que nos leva a compreender o sagrado que reside ali e que temos, como adultos, a responsabilidade de cuidar.
No mundo contemporâneo do consumo hiperestimulado, das realidades aumentadas e expandidas, é possível perceber a pouca atenção dada às crianças. Quantos bebês seguram um celular na hora de um jantar familiar? O que isso significa? Por que o tempo dos recreios escolares está cada vez menor? Como a velocidade das imagens e do aquecimento global pode afetar a vida das crianças? A criatividade e o imaginário das novas gerações estão ameaçados? E os sonhos? Onde estão?
Por tudo isso, em 2011 escrevi “Cabelos Arrepiados”. Em pesquisa que realizei, percebi que as crianças estavam dormindo cada vez mais tarde, consumindo — descontroladamente — imagens das telas. Essa quantidade infinita de imagens, em velocidade estonteante, me dava a impressão de que as crianças estavam angustiadas com o mundo dos adultos e que, além de estarem brincando e sonhando menos, seus sonhos estavam sendo roubados. Então, juntei todos os medos (os deles e os meus) e escrevi o libreto.
Agora, em 2023, o texto parece um manifesto bem-humorado, onírico e crítico sobre o mundo dos adultos, sob a “ótica das crianças”. Que bonita essa montagem do BuIa Teatro! Venham assistir!
Em 2024 desejo, do fundo dos nossos corações, que cada adulto tome pra si a responsabilidade de cuidar da infância brasileira, da criança que está mais perto ou ali na rua, em toda a sua transversalidade, seccionalidade e diversidade.
Esse desejo pode ser um impulso para algo maior — sistematizado, pensado coletivamente.
Tenho muita esperança… Torço para que consigamos avançar nesses cuidados urgentes com a Cultura Infância, que precisam ser permanentes.
Quem sabe a Margareth Menezes, Camilo Santana e o Silvio Almeida tomem para si mais essa causa?
Karen Acioly é carioca, autora e diretora referência na literatura e teatro infanto-juvenil. Escreveu mais de 30 peças e dirigiu a maior parte delas. É mestre em estudos teatrais pela Universidade de Sorbonne, em Paris (2019/2021), e em Educação pela UFF (2020/2022). É fundadora do FIL Festival — Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens. Até 14 de janeiro, seu último texto, do libreto “Cabelos Arrepiados”, está em cartaz na Caixa Cultural Rio, no Centro, com a Cia. Buia Teatro, de Manaus (AM), no Teatro Nelson Rodrigues.