Viver um momento como este — de luto pelo meu marido e pai dos meus filhos — foi algo que nunca passou pelos meus mais lúgubres pensamentos. E perdê-lo para uma doença que tem acometido o mundo todo, deixando milhares de órfãos, viúvas e viúvos, não me permite ser egoísta para viver essa dor sozinha nem me vitimizar pela minha perda. Estamos todos perdendo!
Cada dia é uma luta diária para seguir em frente e encarar os desafios, sem a proteção e o cuidado do Ricardo, sem o médico que sabia decidir os nossos destinos. Clamo a Deus para me dar forças, coragem, alegria e esperança.
Não sou de uma geração que viveu guerras, holocausto ou grandes perdas e privações; por isso, acredito que vamos superar tudo isso. Chegamos até aqui, e a humanidade vai se reinventar e vencer isso também.
Ricardo acreditava tanto na humanidade e no melhor que cada um podia suscitar dessas relações interpessoais, que idealizou, há seis anos, uma reunião para debater e aproximar os profissionais de saúde, criando o Humanidades na Saúde/Projeto Ricardo Cruz, que hoje conta com quase 700 pessoas. O grupo continua fiel e dedicado em manter vivo o legado do Ricardo.
Fui convidada para ser curadora do projeto e sei que não posso fazer isso sem o apoio de todos que participam e, também, do Hospital Samaritano, que tem sido parceiro desde o início. A próxima sessão, como o Ricardo chamava, vai acontecer no dia 8 de abril, às 12:30h. Paulo Niemeyer vai falar do seu novo livro, com comentários do psiquiatra Arnaldo Goldenberg.
Agora, mais do que nunca, precisamos enaltecer essa relação médico/paciente, na qual o Ricardo tanto acreditava e vivia. O doente tem que ser visto além de sua doença, e me arriscaria a dizer que o médico também! Atrás daquele profissional, existe alguém que também sofre, tem medo e que morre por esses pacientes.
“Ricardo deixou um legado”: é a frase que mais escuto nos últimos dias, e que tanto nos orgulha como família, mas que não nos surpreende, pois ele viveu uma vida de dedicação à medicina e a seus pacientes. Vamos poder contar isso em breve em um livro e ver também seu nome eternizado em um Hospital do SUS, que será inaugurado no dia 15 de abril, em Nova Iguaçu. Também estamos criando o Instituto Ricardo Cruz, que, tenho certeza, vai poder ajudar a muitos.
Eu, André e Pedro ainda estamos dimensionando o tamanho dessa perda e tentando nos reorganizar como família.
É provável que eu esteja vivendo a fase da identificação no luto. Hoje me dedico a reunir todas as memórias que o Ricardo nos deixou, um compromisso com seu legado e com todo o amor que nos dedicou.
Denise Loreto da Cruz, jornalista e ex-comerciante, é viúva do cirurgião maxilo-facial Ricardo Lopes da Cruz, cuja morte pela Covid-19, em dezembro, deixou o Rio de luto.