Escrever para mim sempre foi uma forma de ouvir minha alma, um sussurro que sai do coração e vem à mente em forma de palavras. Sempre desejei escrever como forma de entender melhor o mundo, como bem diz Clarice Lispector, e, entendendo o mundo, de me entender melhor também.
Venho de uma família de artistas num país chamado Brasil. Isso moldou meu caminho através da sensibilidade, de uma forma especial de comunicação por meio dos afetos, dos sentimentos, das sutilezas e das sensações.
Através de nossos personagens, contamos histórias de vida, um pouco da humanidade refletida no espelho da dramaturgia; afinal, “a arte existe porque a vida não basta”, ensina-nos Nietzsche.
Nascer nessa família me fez vivenciar, desde muito cedo, a relação com o público – tornamo-nos uma família pública, entramos na casa das pessoas, e elas também entravam em nossa casa, através de pequenas janelas que a imprensa ofertava em suas matérias.
Assim, momentos importantes de nossa vida foram compartilhados por todo o Brasil, como a perda de meu pai, Paulo Goulart, em 2014, quando fomos abraçados pelos quatro cantos do País, que acompanhou consternado a sua partida, chorada e sentida por todos.
Eu e minha mãe encontramos, na arte do Teatro, uma forma de superação dessa perda tão forte, ao fazermos juntas o espetáculo “Perdas e Ganhos” – texto de Lya Luft que adaptei e dirigi para os palcos. Nesse trabalho, pudemos viver uma catarse única e muito significativa porque se tornou uma bela homenagem ao meu pai nas palavras de Lya, que eram tão bem ditas por minha mãe, palavras que ganhavam a força do real, da verdade estampada em cada reflexão.
Quando ela dizia: “A melhor homenagem que posso fazer a quem se foi é viver como ele gostaria que eu vivesse: bem, saudavelmente, integralmente, com projetos possíveis e até impossíveis, nos quais eu ainda possa acreditar, não faz muita diferença em quê, desde que não seja no mal, na violência, no negativo. É o poderoso ciclo da existência”. Era o Teatro nos ajudando a seguir o chamado da vida.
Ficamos cada vez mais unidas depois desta perda e fomos, pouco a pouco, externando essa experiência em palestras que fazíamos juntas. Minha mãe, Nicette Bruno, e eu falávamos da superação e de nossa filosofia de vida, da importância da fé, da passagem do tempo de uma forma natural e saudável, e como realmente sentimos o amor como o antídoto contra todos os males.
Resolvemos colocar esse contexto das palestras num livro, que seria intitulado “A Arte de Viver”.bFaríamos como nas palestras, em que eu colocava e explanava os assuntos principais, e ela viria com sua sabedoria de vida e comentaria os assuntos, colocando sempre “a cereja do bolo” nesses encontros tão especiais e agradáveis. Assim seria o livro: eu escreveria a voz principal, conduzindo os assuntos, e ela seria a comentarista que faria uma trança de opiniões e saberes.
Iniciamos o processo, fazendo algumas reuniões por zoom com Marcella Abboud, nossa supervisora de conteúdo. Começaríamos o livro pela morte de meu pai e seus desdobramentos. Então, o destino, o acaso ou Deus provocaram uma reviravolta no caminho. Minha mãe pegou a Covid-19 e partiu em 21 dias, em dezembro de 2020.
Foram 21 dias de angústia, sofrimento, impotência e dor. Minha mãe partiu! Choque, pausa, dor, pausa, silêncio, pausa, dor, pausa, silêncio, amor, Deus, amor, Deus, amor, Deus, amor… O que fazer quando o inevitável acontece… não há nada a fazer… Só aceitar…
Depois de um período de luto e silêncio, decidi continuar o livro que íamos fazer juntas. Ela, que seria minha companheira, virou tema do livro. Assim, nasceu “Viver é uma arte: transformando a dor em palavras” (Letramento), meu livro de estreia como autora, recheado de memórias e histórias vivenciadas por nós.
Não se trata de uma biografia embora possa contar momentos especiais de nossa vida e profissão, é uma verdadeira declaração de amor à minha mãe e a tudo o que aprendi com ela e meu pai. Relato os sentimentos, as angústias, mas também o crescimento que uma perda como essa nos traz.
Perder a mãe não é fácil. Voltamos ao princípio de tudo, zeramos, esvaziamos e recomeçamos. Agora mais fortes, com mais autonomia, mais autoridade sobre nossas escolhas, mais responsabilidade por quem somos. Voltar ao “zero” é muito importante, uma nova fase se descortina para nós, e a vida nos chama.
Falar da morte é também valorizar a própria vida e o que ela significa para cada um. É o término de um ciclo. Eu creio que a vida não começa no berço e não termina no túmulo – ela continua seu processo evolutivo através de nosso espírito que é imortal. Creio na transcendência da carne, nas diversas encarnações a que o espírito se aventura na depuração moral de sua consciência.
O mundo está passando por um grande teste, com grandes provações, e somos chamados a todo o instante para saber de que lado estaremos: na melhora e preservação da humanidade ou em sua destruição? Queremos uma sociedade mais justa, generosa e amorosa ou cada vez mais egoísta, perversa e cruel? Também é uma questão de escolha. Tudo é uma questão de escolha e livre arbítrio.
Eu creio na força do amor para salvar a humanidade! Espero acender algumas luzes por meio desse amor em forma de livro.
Beth Goulart é atriz, diretora, dramaturga e palestrante. Vem de uma família de artistas de teatro, televisão e cinema e acredita que a arte é o melhor instrumento para transformar consciências. Ela lança “Viver é uma arte: transformando a dor em palavras”, livro em homenagem a Nicette Bruno, com prefácio de Nélida Piñon e posfácio de Fernanda Montenegro, dia 12 de julho, na Travessa do Shopping Leblon, a partir das 19h.