Na imagem, a Lagoa com águas cristalinas, depois de muito trabalho /Foto: Projeto Olho Verde
Quando informei aos meus pais que iria fazer Biologia, os dois não disseram nada contra, muito pelo contrário: meu pai sempre me dizia que eu estaria na crista da onda numa das profissões do futuro. Como ele teve esse pressentimento, eu não sei. Por conta de minha mãe napoletana, seu filho temporão estaria protegido, estudando a Natureza. Nisso ela estava completamente enganada!
A Biologia foi uma escolha de última hora, gerada pelos mergulhos em Angra dos Reis com o amigo Bias. Nascido e criado na ilha Grande, ele adorava pescar e me levou para conhecer o fundo daquela baía bem como os manguezais; aí, foi amor na mesma hora. Era colocar a máscara e o snorkel, que você, numa velocidade muito além daquela da luz, estava em outro planeta, com outras criaturas completamente diferenciadas.
Outro item para a Biologia foi uma única aula sobre ecologia, em 1982, no Sagrado Coração de Maria, onde também conheci Maria Lúcia, que, mais tarde, seria minha mulher. Achei interessante aquela coisa de fluxo de energia, ciclagem de nutrientes, e, com a paixão pelos mergulhos, a opção para o vestibular foi pelo estudo da vida.
No entanto, entre o que você imagina e o que é, há uma grande diferença. Desde muito antes da escolha profissional, havia um “ruído” que vinha se intensificando à medida que os anos iam passando.
Olhando para trás, e aí se vão uns 40 anos, minha insatisfação pessoal sempre presente, o “ruído“ cada vez mais intenso e outros sinais que não vem ao caso descrever, minha vida profissional (ou missão) se condensou em duas palavras: proteger e recuperar/criar.
Focado principalmente na zona costeira, tenho combatido a delinquência ambiental dos mais diferentes quilates e periculosidades, num país megadiverso, que teima em queimar sua biodiversidade por conta de sua cultura colonial predatória e que é considerado um dos mais perigosos para os profissionais que militam na área ambiental. Um verdadeiro escárnio e contrassenso!
Apesar de vitórias significativas e inquestionáveis nessa caminhada para proteção dos manguezais da baía de Ilha Grande e nos trabalhos de recuperação e criação do mesmo ecossistema na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a recuperação da lagoa Rodrigo de Freitas e do sistema lagunar em andamento, há uma clara angústia em relação ao futuro.
Acompanho de perto, desde os anos 90 do século passado, reuniões e mais reuniões, muitos discursos ecologicamente corretos, palanques de autopromoção, com os níveis de carbono na atmosfera só aumentando a cada grande encontro. Tudo tinha sido antecipado pelos especialistas do clima, acontecendo bem debaixo do nariz de toda a humanidade, e o processo de mudança ocorrendo numa velocidade jamais imaginada ou não divulgada. O que era considerado, num passado recente, como catastrofista, hoje, é enquadrado como otimista!
Como ecólogo, sei que tudo está sempre mudando, mas sempre dentro de determinados limites no espaço e no tempo, com episódicas variações fora da curva. No entanto, o que eu acompanho há alguns anos é a exceção se tornando regra e os tomadores de decisão, quase sempre preocupados com outras demandas mais convenientes do ponto de vista político-eleitoral.
Enfim, a meu ver, ultrapassamos aquele ponto de não retorno, visto que continuamos sabotando intencionalmente, criminosamente, os mecanismos de homeostase planetário e incrementando ainda mais os elementos de desequilíbrio. Portanto, é inevitável que o que já vemos só tenderá a piorar vertiginosamente, com reflexos na perda de biodiversidade, economia, qualidade de vida, saúde e existência da civilização como a conhecemos e que se mostra incompatível com a capacidade do Planeta prover tamanha demanda por recursos.
Suponho, de forma quase que escatológica, distópica, que o tal “sistema”, isto é, quem de fato manda no Planeta, já precificou o juízo final ambiental e investe no mesmo, visto que há gente demais na Terra, e menos gente seria interessante, até porque mão de obra humana, muito em breve, será quase que completamente desnecessária com o incremento da IA e a robotização. Viveremos a fase ambiental “Blade Runner”.
Por recente estudo, a cidade do Rio de Janeiro, onde nasci, foi indicada como uma das mais afetadas em termos de elevação do nível do mar, com consequências socioambientais jamais vistas em termos habitacionais, uma das chagas históricas até hoje não equacionadas. O que hoje é bem ruim vai ficar fora de controle, e onde, mais uma vez, quem irá pagar a conta será o ambiente.
Em resumo, nunca em tempo algum, a civilização precisou de profissionais do ambiente para conscientizar a sociedade, gerar massa crítica e pressionar os gestores públicos para as verdadeiras prioridades de olho no monstro que criamos e continuamos alimentando.
Não há dúvida de que o tipo de civilização produzida está em guerra com o Planeta, e ele saberá responder à altura, aliás, já está respondendo.
Biólogos, cada qual do seu jeito (nos laboratórios, no campo, nas universidades e escolas, nas mais diversas áreas), atuam de forma apaixonada, pois talvez disso dependa o futuro de uma civilização menos predatória.
O futuro dirá.