Qual a sua ideia radical sobre o amor? “Radical é travesti construir família”, disse minha amiga Bárbara Yara em resposta a essa pergunta no meu perfil no Instagram. Ela conta como tem aprendido com Lia Castro — artista mulher trans que abriu recentemente uma exposição linda no MASP — a construir sua família ao lado de seu marido, Tetsuo, e seu enteado, Luidi. Já a artista mineira Priscila Resende disse que é “se sentir livre do medo de simplesmente ser”, e completa falando não querer se matar por dentro, na ânsia de acreditar que precisa deixar de ser quem se é, para ilusoriamente ser “amade” pela ficção que o outro criou, ou criamos na necessidade de aparentar o que outros querem. Roberta Joyce também me contou sobre sua ideia radical sobre o amor, que é descobrir a potência do melhor caminho amoroso ao lado das suas amigas mulheres e aliadas do dia a dia. Deby falou sobre o amor próprio e Fernanda, sobre ensinar o mundo a amar pessoas autistas; por fim, homenageou um amigo autista que, essa semana, tirou a própria vida por não aguentar mais as opressões que vivemos todos os dias. Minha ideia radical sobre o amor é através da arte, criar um espaço para que esse amor flua, para que nós possamos exercitar o amor.
Na minha exposição, que abre no Museu de Arte do Rio (MAR) e que se chama “Ideias Radicais sobre o Amor”, apresento um conjunto de obras participativas ou que, de alguma forma, necessitaram de “um outro” para existir, alimentando nossa necessidade de pertencimento, nosso impulso básico de vida. A teoria da psicologia que fala da necessidade de pertencimento e como ela é um impulso vital de todos os seres humanos data do final do século passado. No entanto, para além dos dados científicos, os livros “Tudo sobre o amor e Pertencimento: uma cultura do lugar”, de Bell Hooks, têm me guiado nessa jornada, não apenas na produção artística, mas no que entendo como gente que ama, e que quer estar com o outro, me realizando através da minha arte. Bell Hooks discute como nossa sociedade é estruturada em torno da competitividade capitalista e como isso é prejudicial para todos nós, já que somos seres amorosos.
Eu acredito que a sociedade não deveria ser pautada na competição, mas, sim, na cooperação, para criar soluções coletivas para o bem de todos. Um exemplo explícito seria a política que hoje é formada por ataques, quando deveria ser um somatório de forças. Se pensarmos no que o amor faria, escolheríamos outras formas de lidar com o mundo. Uma obra que representa essa ideia de cooperação é o vestido siamês que estará na exposição no Museu de Arte do Rio (MAR): de filó tipo bailarina. Tanto para vestir quanto para usar, andar e se movimentar, é necessária a cooperação do outro que o veste com você. É a representação de uma utopia, mas que, ao mesmo tempo, faz parte da ideia de várias comunidades que hoje crescem a partir do apoio mútuo: famílias, grupos de pesquisas, de dança, de esportes e outros grupos em geral, quilombos, aldeias indígenas, organizações sem fins lucrativos, cooperativas, comunidades religiosas, movimentos sociais etc.
Espero que, em minha exposição, eu possa contribuir para as pessoas viverem momentos lúdicos, de trocas coletivas. Vão ter muitas ações, como a performance “Honra ao Mérito”, que trata da reparação histórica para nós, mulheres. Nela, cada uma de nós pode dizer pelo que merece ser reconhecida, e assim faremos uma bonita cerimônia de condecoração, entregando medalhas pelos feitos de cada uma. Todo o público está convidado a participar, visitando e conhecendo as obras já produzidas, participando das obras ativas ou das performances. A mostra é uma exposição em construção, que depende da participação do público para se completar até o final da exibição.
Panmela Castro é artista visual, circula entre performance, pintura, escultura, instalação, vídeo e fotografia. É mestre em Processos Artísticos Contemporâneos pela UERJ e pós-graduanda no curso de Direitos Humanos, Responsabilidade e Cidadania Global pela PUC-RS. Panmela é reconhecida pelo combate à violência doméstica em sua instituição de direitos humanos, a Rede NAMI. De 9 de agosto a 24 de novembro, apresenta a exposição “Ideias radicais sobre o amor”, no MAR, com curadoria de Daniela Labra e assistência curatorial de Maybel Sulamita.