A ambivalência humana é o que torna nossa vida interessante. Nossa inquietação, nossa curiosidade, e como diria Yuval Harari, “nossa capacidade de fofocar” nos fizeram chegar até aqui. Dito isso, nem sempre aproveitamos oportunidades óbvias para mudarmos crenças e pensamentos. Garcia Y Gasset dedica um livro ao tema de ideias e crenças em lados opostos. O trabalho presencial é uma crença. A ideia? Mudarmos nossa relação com o tempo. “Os olhos do dono engordam o gado” é uma crença; sermos gestores de nosso tempo e nossas entregas, uma ideia.
Quando a ideia de “home office” pode virar uma crença? Se é que pode?
Generalizar o mercado de trabalho sempre foi e sempre será um erro — existem empresas e empresas. Fora o óbvio, que, neste mundo líquido e barulhento, muitas vezes precisa ser dito, algumas funções e alguns profissionais podem, sim, trabalhar de onde desejarem desde que haja uma cultura na organização, de fato, preparada pra isso. Quase duas décadas atrás, montamos a Rádio Ibiza com uma política estranha de cada um ser dono da sua rotina – flexibilidade à máxima potência, conjunção de vida pessoal e profissional em abundância. Éramos vistos como inovadores, ousados, um pouco malucos (rsrs).
Passados 20 anos, uma pandemia fez tudo isso virar regra para nós na Ibiza. É uma discussão acalorada no mundo dos negócios. Por quê? Bom, para nós foi fácil porque era cultura; era criacional da organização. Estava nas suas crenças, e não em suas ideias.
Para o mundo? Tem sido difícil porque, por um lado, temos uma grande parte de solitários, carentes de doutrinas e ritos (voltamos ao mundo líquido de Bauman), que precisam encontrar, na labuta e nas paredes das empresas, o sentido de sua vida ou de sua desumanização. Flaubert já dizia que o único suicídio aceito é o do trabalho, pois alguém que se mata de trabalhar tem seu valor. Por incrível que pareça, é mais fácil aturar o chefe, o trânsito, as pessoas, do que encarar seus filhos, seus amores, seus pais. O trabalho presencial é a justificativa para os meus “ais”, um bom motivo pro meu ressentimento.
Para essa explicação, estão os que querem voltar para os escritórios.
A outra causa é o nosso velho e arcaico modelo de liderança, que se baseia no poder, nos músculos e no cérebro. Esquece-se que líderes não são os que usam músculos e cérebros como ativo maior, mas aqueles que usam o coração.
Se você precisa de cargo, patente, crachá, título, gravata, escritório pra liderar, você pode ser tudo, menos um líder! Chefias confundidas com liderança precisam ter todos a sua volta para se sentirem chefe.
Pra onde vamos então?
Como sempre, para um lugar desconhecido, que exigirá de nós temperança, debate, ideias e, quem sabe, novas crenças.
A mudança está em curso, e como diria o ditado, de nada adianta acelerar o curso do Rio.
Pedro Salomão é palestrante, escritor e CEO da Rádio Ibiza, empresa de identidade musical, que fechou os três escritórios físicos (Rio, São Paulo e Curitiba) para funcionar totalmente online, e comemora 18 anos de mercado passando a atender a Azzas 2154, maior grupo de moda do Brasil, resultado da fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma. Pedro é formado em Administração de Empresas pela PUC-Rio, com pós-graduação em Sociologia Política. É também conselheiro da Casa Firjan e da Cidade do Rio – mas faz questão de se apresentar assim: louco por samba, pela Portela, pelo Flamengo, faixa-preta de jiu-jítsu – “e no esporte encontro meu tempo de autoconhecimento” – e, principalmente, pai do Bento e da Maria e casado com a Marília.