Estava no jornal, semana passada: “Detox de homem’: em trend no TikTok, mulheres heterossexuais afirmam estarem desistindo de relacionamentos românticos”.
Não concordo muito com o infinitivo pessoal (“afirmam estarem”) – prefiro o impessoal (“afirmam estar”). No mais, elas estão cobertas de razão.
Também estou precisando fazer isto. Mas no sentido que a palavra “homem” tinha no século passado, quando dizíamos que “O homem é o lobo do homem” e ninguém pensava só no ser humano do sexo masculino – ou achava que as mulheres estavam excluídas dessa verdade ancestral. (Sim, tampouco o lobo desse aforismo era só o macho da espécie. “O homem é o lobo do homem” significava também que as mulheres eram as lobas das mulheres, que o homem trans era o lobo trans do homem trans, que a mulher trans era a loba trans da mulher trans. Em suma, que a pessoa humana era a criatura lupina da pessoa humana.)
Homens (Homo sapiens) são uma espécie complicada. Que o digam os pássaros dodô. Descobertos no finzinho do século XVI, não chegaram a comemorar o réveillon para o século XVII: foram extintos.
Eram uns pombos desengonçados, de um metro de altura, que não só não sabiam voar como não tinham medo daqueles bípedes estranhos vestindo roupas esquisitas que chegavam de navio, roubavam seus ovos e os caçavam para se alimentar. Um detox de homens teria salvo os dodôs: não ficou um para contar a história.
Detox de homens – só os do sexo masculino e só quando o assunto é relacionamento romântico, como as tiktokers estão fazendo – é baldear o oceano com dedal.
O homem (a Humanidade) é um também desarranjo no relacionamento social. Que outra espécie empaca na porta do metrô para poder ser o primeiro a sair se seu destino está dez estações adiante – e durante todo o percurso prejudica quem quer entrar ou deixar o vagão? Que outra espécie se junta na quadra do condomínio, num domingo de manhã, para fazer crosfite, aos berros, perturbando quem precisa de um pouco de sossego?
Sem falar no relacionamento político. Não há notícia de répteis e peixes cancelando anfíbios (“Isentões!”) porque estes acham possível conviver tanto com criaturas terrestres quanto com as aquáticas.
Estamos precisando de um detox de homens (e mulheres) que avançam sinal, que furam fila, que jogam lixo na rua, que são violentos, que mentem, que manipulam, que falam no cinema, que colocam pimentão na comida e que usam microfone em festa infantil.
E, claro, dos que – em função do relacionamento tóxico que mantêm com a língua portuguesa – insistem em falar em “detox” e “trend”, em vez de desintoxicação e tendência.