Desde que o grupo de artistas surgiu, em 1874, em uma polêmica exposição que visava romper com a estética vigente na época, os chamados impressionistas, a relação com a arte virou de ponta cabeça. As vanguardas do século XX ainda hoje repercutem com seu principal dilema: forma ou conteúdo, mensagem ou impacto estético, significado ou mera fruição. A junção dos talentos de Marco Nanini e Gerald Thomas em “O traidor” aponta, desde o título, para um espetáculo que é meticulosamente construído para mostrar a base do que é teatro, como arte performática.
Abrem-se as cortinas: o que se vê é uma enorme escultura de Nanini, deitado de lateral, coberto com cordas, exatamente como Gulliver em Liliput. E aí surge Nanini, o ator solo, que se encaminha, no incrível cenário da ilha, para uma poltrona que lembra um trono medieval. O coro, formado por Apollo Faria, Hugo Lobo, Marllon Fortunato e Wallace Lau, desempenha movimentos que são performances para apoiar o que Nanini fala.
A primeira coisa que se percebe com a citação à teoria de tragédia de Nietzsche que se contrapõe àquela de Aristóteles é que as indagações do ator são apenas um motivo para se pensar o que é a essência do teatro. Há que contar uma história? Há que ter uma multiplicidade de personagens? Há que ter um conflito explícito, tradicional no qual a obra se baseia e irá resolver?
Está no palco de “O Traidor” um jogo entre uma possível traição que levou o personagem à ilha e a explícita traição a um teatro sem invenções, sem qualquer ousadia. Os textos vão sendo falados, perguntas jogadas ao ar, movimentos aparentemente desconectados. No entanto, a dimensão disso tudo é dada pelo ator extraordinário, além do talento que é Marco Nanini, que é iluminado por uma luz que funciona como uma instalação.
O grande acerto de “O Traidor” é a capacidade de diretor/ator/equipe que, como os impressionistas, formam um conjunto sólido, aderente ao que se vai ver. A emoção está em ver um espetáculo que está repleto de perfeição do que é teatro. Direção, ator, cenário, luz, figurino, música, coro são capazes de nos provar que a emoção gerada pela interação entre o que acontece em um palco e o que se assiste ainda é a maior de todas.
Serviço:
Teatro Prio, Jockey (Av. Bartolomeu Mitre, 1.110)
De 4 a 28 de abril (quintas, sextas e sábados, às 20h; domingos, às 19h).