“Histórico!” foi a palavra mais usada e também o sentimento coletivo de quem se entreolhava em noite de superlotação no Petit Trianon, a casa dos imortais, nessa sexta (05/04), para a posse do ambientalista, filósofo e poeta Ailton Krenak, o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na ABL, em 127 anos. Um dos convidados dizia ao pé do ouvido de outro: “Ele já era imortal antes da ABL, porque, antes do Brasil Coroa, já havia o Brasil Cocar”.
Superlotação também nas redes da Academia, com audiência altíssima na transmissão ao vivo no YouTube (mais de 12 mil) e postagens sem fim nas redes.
Nunca se viu uma sala tão colorida, diversa, com cocares de convidadas nas cadeiras em meio aos fardões dos imortais, como Heloísa Teixeira, Arnaldo Niskier, Fernanda Montenegro e Antonio Carlos Secchin, além dos ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e da Cultura, Margareth Menezes, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, e o representante do ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, e também o DJ Alok (conhecido pela luta indígena) e o músico Lenine.
A comissão de entrada foi formada por Edmar Lisboa Bacha, Joaquim Falcão e Ruy Castro e, de saída, por Ana Maria Machado, Geraldo Carneiro e Antônio Torres.
A sessão, que durou quase duas horas, foi aberta com a reprodução de um vídeo de Krenak no Congresso Nacional em 1987 – enquanto defendia os povos indígenas no púlpito, passava uma tinta preta no rosto com lágrima nos olhos (trecho abaixo). Logo depois, Heloisa Teixeira falou longamente sobre o histórico de Aílton. Depois, chegou o momento: Fernanda Montenegro entrega o colar com muitos abraços e beijos, puxando um “Viva o Brasil!”. Niskier entregou a espada e Antonio Carlos Secchin, o diploma (ele também escreveu parte do texto lido por Krenak).
Na hora do discurso (de mais de uma hora), nada de protocolos, sem roteiro e no improviso em boa parte, usando uma bandana indígena com o fardão.
“Espero que o Brasil inteiro, os outros brasileiros, possam entender que nós estamos virando uma página da relação da ABL com os povos originários. Eu já disse que venho para cá para trazer línguas nativas do Brasil para um ambiente que faz a expansão da lusofonia. Vou promover uma sinfonia. Essa sinfonia é estimada pelos linguistas em 180 línguas indígenas”, disse no início.
“Desde que me convidaram ou me animaram para ocupar essa cadeira número cinco, eu me perguntava: ‘Será que nessa cadeira cabem 300?’. Como dizia Mario de Andrade, eu sou 300. Olha que pretensão! Eu não sou mais do que um, mas eu posso invocar mais do que 300. Nesse caso, 305 povos, que, nos últimos 30 anos do nosso país, passaram a ter a disposição de dizer: ‘Estou aqui’. Sou guarani, sou xavante, sou caiapó, sou yanomami, sou terena”, completou.
Também citou os dois pedidos de perdão feito pela Comissão da Anistia aos povos originários perseguidos pela ditadura militar, essa semana, dizendo que “não muda nada” e também lamentou a demora da ABL em incluir a primeira mulher numa cadeira (Raquel de Queiroz, em 1977), falou que o salão era grande, mas ainda bem que tinha microfone pra citar os rostos que ele via na plateia – citou várias vezes Joenia Wapichana (pres da Funai), vários imortais e “a todas as senhoras de todos os confrades que estão aqui fazendo um jardim de gente humana” – muitos aplausos.
“Queremos ampliar a abrangência da Academia nas diversas faces da nossa cultura brasileira, e nada melhor que o Krenak aqui para debater grandes temas”, disse Merval Pereira, presidente da ABL.
No fim, coquetel muito bem-vindo com iguarias até então inéditas na ABL, produzidas pelo grupo Terra Come, que veio de Belo Horizonte, como publicado aqui, em cumbucas criadas pelo ceramista alemão Benedikt Wiertz, forradas com folha de taioba, tendo no fundo o carimbo “KRENAK” (Kre significa cabeça e o Nak, terra). Entre os pratos, batata-doce, sopa com a base de mandioca, banana-da-terra, banana-verde e cogumelos shitake criados no tronco.
Ailton Krenak no Congresso Nacional em 1987!!
As pessoas que dizem não se interessar por política, certamente não entendem seu poder transformador! pic.twitter.com/4QKQ7SBrJ6
— Penélope Moreira (@YviCarneiro) April 2, 2024