O uso dos filtros e o mundo ilusório das redes sociais trazem à tona um velho transtorno conhecido da Medicina — na dermatologia, cirurgia plástica e, fundamentalmente, da psiquiatria —, que é o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) ou dismorfismo corporal, descrito em 1886 por Enrico Morselli.
Nesses casos, há um foco obsessivo em um “defeito” que a pessoa considera ter na própria aparência, pequeno ou imaginado. Mas a pessoa pode passar horas por dia tentando corrigi-lo, ou estudando formas, seja através de muitos procedimentos estéticos, seja por se exercitar em excesso, com prevalência na população geral de 1 a 2%; no entanto, nos consultórios que lidam com a estética, isso pode corresponder em até 16% dos pacientes.
O próprio ambiente das redes sociais pode ser muito crítico com a mudança de aparência das pessoas, ou em relação à faixa etária, ao peso, à forma do corpo, ou mesmo aos desafios de saúde que famosos possam passar, desencadeando escolhas por vezes imperfeitas e até mesmo inseguras, como aconteceu com a Madonna, que conseguiu reverter alguns tratamentos e se reinventar depois das críticas, reafirmando seu protagonismo no mundo pop. Ou mesmo quando a Maiara fez uma cirurgia bariátrica para melhoria de saúde e começa a cobrança de um corpo perfeito numa fase de readequação corporal que pode levar até 2 anos. Ela viralizou nas redes, esta semana, por estar magra demais; quando começou a carreira, internautas a criticavam por estar gorda. Ou ainda o caso da modelo Yasmin Brunet, 35 anos, ex-participante do BBB24, uma mulher linda, mas analisada criticamente desde a infância e em cadeia nacional, quando seus “colegas” de confinamento disseram que “ela já foi melhor, mas está mais velha. O rosto dela é lindo, mas acho o corpo dela meio estranho. A bunda dela…”, respondeu Nizam. E não dá para esquecer a pressão sofrida pela princesa Kate Middleton, que foi obrigada a se manifestar publicamente, num momento tão delicado, para acabar com especulações sobre o próprio casamento.
A pressão pela influência das redes pode exacerbar o quadro, uma vez que padrões de beleza são estabelecidos, e a necessidade de pertencimento e aceitação se torna viciante com o número de likes. É cada vez mais comum achar quem não esteja satisfeito com o seu corpo, principalmente com relação ao rosto. Os usuários se acostumaram tanto com o efeito encantador e embelezador dos filtros, que não se enxergam mais sem eles.
O TDC atinge mais as mulheres, pois elas são mais ligadas às questões de autoimagem e as tendências de “beleza”. É um fato: a mulher se preocupa e investe mais no seu visual do que os homens. Ressalto que 2,5% das mulheres brasileiras acreditam ter defeitos, e é nelas que a dismorfia corporal se apresenta com maior frequência, sendo de maior prevalência entre 18 e 30 anos, embora possa se apresentar em qualquer faixa etária.
O dismorfismo corporal não deve ser encarado como uma questão simples, afinal pode gerar uma busca desenfreada e sem critérios de tratamentos de beleza e cirurgias, o que é um perigo quando são realizados com profissionais não capacitados de forma plena a tratar o paciente com uma visão integral. Lembro que o TDC é um diagnóstico difícil em pacientes depois de grande perda ponderal (maior gasto do que ganho de calorias), que realmente notam mudanças corporais marcantes (como sobra de pele e dobras onde não existiam) e precisam de múltiplas cirurgias. Contudo, cabe ao cirurgião plástico conduzir o paciente através dessa jornada com segurança, trazendo a equipe multidisciplinar (psicólogo, endócrino, nutricionista etc.) conforme a necessidade do caso.
Ao receber um paciente com múltiplas queixas e sem foco no consultório, é essencial que o médico identifique o que realmente é preciso e o que é exagero, isto é, uma busca irreal. Procurar um profissional qualificado e ético é de suma importância para que o paciente consiga chegar ao resultado desejado com maior segurança.
Destaco, porém, que, por mais que o resultado seja excelente e satisfatório para o médico, o portador de TDC, ainda assim, estará insatisfeito; muitas vezes é necessário indicá-lo para um psicólogo ou psiquiatra.
Pessoas próximas também podem observar esses sinais e conversar com o amigo ou a família e o indicar para um profissional de saúde. É preciso entender que a beleza física, o bem-estar e a saúde mental precisam andar juntos (Saúde = Equilíbrio Bio-Psico-Social). O maior bem do ser humano é a sua saúde mental; sem ela, nada é possível.
Foto: Tomas Rangel
André Maranhão é cirurgião plástico, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica-RJ, formado em medicina pela UERJ, com especializações em Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica. Atende em clínicas e nos seus consultórios, em Ipanema e na Tijuca.