O ano era 1993, e enquanto os cariocas explodiam o coração “na maior felicidade”, ao som do Salgueiro, eu, aos 8 anos de idade, sambava, pulava e suava no começo da madrugada. Minha avó, dona S., olhava sorrindo e, ao mesmo tempo, preocupada. Esse não era o horário para uma criança estar acordada, mas … Como tirar da sua única neta a felicidade de assistir a um desfile histórico como aquele?
Na cozinha, o aroma inconfundível: pizza de muçarela da Padaria Ipanema, um quitute que só o carioca reconhece como pizza, assim como a da sua vizinha de bairro, a Guanabara (mas isso é assunto para outra coluna). A massa não é tradicional, parece mais um pão — grossa, oleosa, deliciosa e lotada de queijo. Suco de Rio de Janeiro, como dizem os jovens de hoje.
Passaram-se 31 anos, mais um carnaval se foi, e aqui estou eu, aos 40, escrevendo este texto no balcão desse ícone da cidade.
Inspiro os mesmos aromas e me inspiro para escrever minha primeira coluna sobre o que mais amo, comida.
Enquanto me delicio com 100 gramas de ovinhos de codorna empanados, tenho meu prazer suprimido por uma enorme melancolia e uma saudade antecipada.
Infelizmente, a centenária Padaria Ipanema está com os dias contados, mas não da forma como inicialmente fomos informados pelos jornais — ela não será demolida para virar mais um edifício de apartamentos residenciais. A situação é ainda mais complicada: ela vai virar uma padaria paulista, seja lá o que isso significa…
Segundo o jornalista Gilberto Menezes Côrtes, do JB, Antônio Rodrigues, dono do Belmonte, abocanhou nossa amada padaria, com seus brioches icônicos e tudo mais, e vai transformá-la em um ambiente com produtos e serviços mais modernos, ao estilo das padarias paulistanas.
A notícia cai como uma bomba, mas bem diferente da absolutamente perfeita bombinha de creme que é vendida no balcão.
Vejo-me em pé, olhando para a praça e para a igreja Nossa Senhora da Paz e fico pensando: como esse quadrilátero é importante na minha história e na de tantos cariocas!
Foi na igreja Nossa Senhora da Paz que meus avós se casaram e meu pai foi batizado. Foi lá a missa de sétimo dia do meu avô e foi aqui, neste balcão, que apresentei ao amor da minha vida, o Sr. V, as deliciosas mas pouco celebradas bolinhas de frango da Padaria Ipanema.
Enquanto penso no meu passado e no que os escafandristas irão decifrar no futuro submerso desta cidade, reflito: como é possível uma bolinha de frango ser tão boa? Ela não é coxinha, ela não é bolinha de queijo, ela não é um croquete. Ela é perfeita, salgada na medida certa, com muito gosto de frango e, ao mesmo tempo, com aquele sabor de farinha, que só um belo rissóli luso-carioca é capaz de nos proporcionar.
Fecho os olhos e tento guardar na memória os sabores inesquecíveis que esse estabelecimento nos proporciona há mais de 100 anos. Escolho uma trilha sonora especial para essa despedida. No Spotify, Tom Jobim sussurra nos meus ouvidos: “Ela é carioca, ela é carioca”, parecendo reforçar que é para nunca esquecermos isso.
Os salgadinhos acabaram; é hora de pegar o metrô. Vou embora com a certeza de que serei sempre louca pela Padaria Ipanema e que, para mim, ela era linda demais.
E, além do mais, ela é carioca!
Ilustração: Izabel Alvares