Em 2015 escrevi um livro sobre infidelidade e traição, consequência de uma longa pesquisa com um grupo de professores do Rio Grande do Sul. A pesquisa mostra que não se pode dizer que existe um padrão, todavia é frequente que inicialmente o desfecho seja favorável a um lado apenas.
Mas o inconsciente é soberano em todas as situações. Por exemplo, se a pessoa tinha vontade de terminar a relação, ela inconscientemente busca outra através da infidelidade para conseguir isso. Cabe no tema uma discussão geral: a traição é sempre por troca de objeto de amor. Porém, a infidelidade costuma ser apenas sexual, mas o problema que causa o ato reside na personalidade do infiel e sua infelicidade causada por características específicas, por exemplo, ambição, voracidade, narcisismo.
Todos esses fatores em menor ou maior grau levam ao famoso “pecado” de uma cobiça da mulher ou do marido em relação ao outro e vice-versa. Normalmente, infidelidade atuada e traição acontece quando o casamento não vai bem do ponto de vista amoroso, e é uma forma de concretizar ou apenas simbolizar o desejo de uma separação. O fato é que ambos que formam o casal da traição, contra a pessoa traída, se dão bem pela falta de sentimento de culpa no conluio, porém a infidelidade costuma ser apenas sexual.
Tanto Freud como seus sucessores enfatizaram a importância das primeiras relações e como elas influenciam as etapas ulteriores da vida. Arquivamos, especialmente preservadas em nossa mente, as pessoas que amamos e admiramos. Em certas situações especiais, chegamos a nos sentir conduzidos por essas pessoas, podendo imaginar como elas teriam procedido, tanto no sentido correto como no sentido equivocado. Erros e acertos podem ser cometidos, e quando refletimos, imaginamos se teriam aprovado ou não nossos atos. As pessoas que assim consideramos assumem inevitavelmente, no inconsciente, a função dos pais admirados e amados — e isso independentemente do papel, do poder, ou da posição que alguém alcançou a mais na sociedade, seja homem, seja mulher.
Um bom relacionamento com nós mesmos é condição básica para demonstrar amor, tolerância e bom-senso para com os outros, independentemente da posição material ou institucional que se ocupa. Esse bom relacionamento, quando se trata de um casal, implica uma atitude amigável, afetuosa e compreensiva para com o companheiro/a, e isso é reflexo das relações que tivemos no passado com aqueles que significaram muito para nós e que se tornaram parte de nossa mente e de nossa personalidade. No entanto, se temos ressentimentos para com essas figuras passadas, e se eles se repetem no presente, com as pessoas com quem convivemos, então estamos sujeitos a situações de retaliação e vingança, a maioria delas ligadas ao fato de ter sentido traição amorosa por parte de quem deveria nos dar amor.
Se não somos capazes de remover esses ressentimentos que tivemos na nossa relação com os pais e substitutos, se não os perdoamos pelas frustrações que fomos obrigados a suportar, então não podemos sentir-nos em paz e em condições de amar outras pessoas no verdadeiro sentido da palavra. Atos de infidelidade e traição nascem desse problema básico, gerando uma busca que pode nunca ter fim, a menos que exista uma situação mais complexa de conluio, na qual a infidelidade transita no plano perverso, mostrando a mais moralista das posições sintonizadas e entregues às exigências mais desumanas do discurso da ciência e do consumo, ironicamente contextos que facilmente validam atos inconsequentes.
Arnaldo Chuster é médico psiquiatra e psicanalista. Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica do Rio e do Newport Psychoanalytical Institute, Irvine, Califórnia. Autor e coautor de 22 livros de psicanálise.