Quais são os processos que influenciam nossas escolhas? Como formamos nossos afetos e predileções? Como arquiteto, urbanista e designer de interiores, essas questões sempre assombraram minha carreira; afinal de contas, somos os responsáveis pelo palco da vida das pessoas. Por décadas, persigo a beleza e a felicidade na criação de espaços e ambientes, porém, “beleza” e “felicidade” são conceitos aparentemente intangíveis relativos aos indivíduos e aos grupos sociais. O que nos direciona a outra pergunta: haveria um modo de ampliar a compreensão do “gosto”? Para responder a tal questão, devemos entender alguns conceitos da Psicologia.
A formação do gosto é complexa e multidimensional. Naturalmente, nossas escolhas são efetuadas com base na nossa cultura e no contexto em que estamos inseridos, mas sempre permeadas pelas emoções e sentimentos, que, em conjunto, geram o que chamamos de afeto. Complicado? Vamos tentar entender…
O afeto é a base de nossas emoções e sentimentos. Mas não são a mesma coisa? De fato, não. As emoções são expressões neurofisiológicas, ou seja, manifestações físicas corporais automáticas e inconscientes. Um exemplo claro é quando choramos de alegria (ou tristeza) ou ficamos arrepiados com a beleza de uma música ou determinado momento. Portanto, as emoções podem ser estimuladas pelo contexto – incluindo o físico -, como nossas casas e nossas cidades. Penso, logo existo. Podemos afirmar que a arquitetura emociona e influencia diretamente nossa vida.
Os sentimentos se despontam no momento em que tomamos consciência de nossas emoções, quando as manifestações físicas são reconhecidas (cognição) por atingirem determinadas regiões cerebrais, por meio de nossas redes neurais, sempre de forma subjetiva, através do pensamento, memória, raciocínio e linguagem. O afeto, portanto, é o resultado da combinação dos componentes emocionais e sentimentais, sempre manifestos através de sensações em nosso corpo — nosso cenário emocional. “Corpo” que, na Psicologia, é conhecido como “soma”. Podemos intuir que existe uma química do afeto e do prazer (descargas hormonais) e que nossos afetos dirigem nossas escolhas, logo, nosso “gosto”.
Contudo, existe um processo lógico das escolhas? Sim. Podemos considerar essa resposta como positiva caso tenhamos a humildade suficiente para reconhecer que nenhuma afirmativa nesse campo poderá ser considerada definitiva; no entanto, alguns conceitos aparentemente são universais. Nos parece natural associarmos o céu como uma direção divina. “Ascender” significa ser positivo, do mesmo modo que “avançar”; já “ir para baixo” ou “para trás”, universalmente, significam derrota ou retrocesso. Jung nos explica que nossa mente é produto de uma “história” coletiva que se encontra pregnante na mente do homem moderno e, portanto, somos um produto do desenvolvimento biológico do homem primitivo. Desse modo, podemos entender nossa predileção com a luz amarelada. Uma memória ancestral nos proporciona uma percepção de conforto e segurança, remetendo-nos diretamente às fogueiras que protegiam as noites de nossos ancestrais. De modo análogo, nossas celebrações com alimentos sempre reunidos em volta do fogo seguro e reparador. Sim. Existe um Neandertal dentro de você.
E a beleza? Onde mora? A resposta é complexa, mas posso afirmar que é da Natureza e da Física (gravidade), uma constante universal. Os padrões de beleza clássicos – ainda válidos – chegaram até nós através da cultura grega, que, ao conectar padrões matemáticos à música, escultura e, principalmente, arquitetura, baseou-se na observação de padrões “matemáticos” naturais que se repetiam constantemente no ambiente e no contexto natural. A constatação de que determinada proporção era observada nas conchas, no crescimento das árvores, nas ondas do mar e nos corpos dos animais e do próprio homem, criou um sistema em que o belo está na proporção entre as partes, sempre regido por um número mágico — 1,618 —, conhecida como proporção áurea.
Esse padrão, pura réplica do mundo natural, ainda é válido e aplicado em nossos objetos e símbolos cotidianos. A tela da sua TV segue esse padrão, o mesmo para seu cartão de banco, quem sabe, sua cadeira ou mesmo o ícone de maçã do seu celular. A aceitação universal desse padrão ocorre pelo fato de ser um produto da observação de nosso contexto e de nossa natureza, que nos fornece a percepção de tranquilidade e correção.
Nesse complexo sistema, devemos adicionar as camadas de nossa história pessoal, pois sempre desejamos retornar aos nossos momentos de felicidade, através de cores, aromas, percepções e, principalmente, de nossa memória. Nossa vida é a principal fonte de nossas escolhas, o que nos torna únicos — um universo de possibilidades dentro de nós.
Carlos Murdoch é arquiteto e urbanista, coordenador de Arquitetura na Universidade Veiga de Almeida (UVA). É um dos professores do “Casa Brasil”, segundo módulo do “Casa e Conhecimento”, novo polo de cursos do CasaShopping, na Barra, idealizado por Eduardo Machado. Carlos vai ministrar um curso com o também arquiteto Ronald Goulart. As aulas acontecem todos os sábados de novembro, das 15h às 17h. Inscrições no Sympla.