Nos filmes e séries de ficção científica, se há algo que me incomoda é a maneira como imaginam o futuro. Pensam demais no figurino e nem um pouco na linguagem.
Basta a ação se passar meia hora adiante do nosso tempo, e estarão todos com roupas assimétricas e cabelos esquisitos.
Para isso, não precisava nenhum salto temporal: era só ir a uma Fashion Week ou Feira Hype da vida.
Os carros ficam mais quadrados, qualquer vidraça ou placa de acrílico estará conectada à internet, sanduicheira de misto quente responderá a comando de voz – mas entendemos tudo o que as pessoas falam. Ao contrário do que aconteceria se um ser do distante ano de 1993 acordasse hoje, de um coma, e nos ouvisse conversar.
Alguém teria que explicar a essa criatura dos primórdios da civilização o que é um Twitter – ou melhor, o que é tuitar no X –, o que vêm a ser um publi no Insta, um reels, o que faz uma tiktoker (isso eu preciso que alguém me explique também), o que é um “fechamento” e se é sério esse negócio de designer de sobrancelha.
Quando, 20 anos atrás (ou, quem sabe, 10?) um brasileiro imaginaria seus conterrâneos falando em mansplaining, manterrupting, manspreading, blackface, whitewashing? Em ghosting, cashback, redflag, bodyshaming, dogwhistle? Em cringe, cropped, shake, thread, link, bowl?
Se eu fosse escrever o roteiro de uma série passada, digamos, em 2025, deixaria os personagens com os mesmos jeans rasgados e camisetas de hoje, com um i-phone de dezenove câmeras (e o triplo do valor, mas com a mesma dificuldade de ter sinal dentro do túnel) e os mesmos perrengues existenciais – mas com todas as falas precisando de legenda.
– Você está diying, Dyonnathann?
Não, Dyonnathann não estaria morrendo, mas fazendo algo por conta própria (do inglês DIY – do it yourself –, teríamos incorporado o doityourselfing ao vocabulário, até mesmo na hora de fazer um shake – antiga vitamina – no mixer – antigo liquidificador – para comer na tigela – digo, no bowl).
Dyennyfher, usando um cropped (aquilo que os neandertais chamavam de miniblusa) estará se arrumando para thankgoditsfridaying (que os cringes chamavam de sextar), mas se lembrará do grannyadvicing (outrora conhecido como “conselho da vovó”):
– Se o date não for mindblowing nem der match, se sentir que é abming, parta pro g2ging asaping.
Não, não terá nada a ver com mandar um zap (que estará para 2025 como o MSN está para 2023). O que a bestaged quer dizer é que, se o encontro não for bom, não pintar um clima e ela se sentir cometendo um ABM (a big mistake), é melhor partir para o G2G (got to go) e picar a mula (mulepicking) imediatamente (ASAP, as soon as possible).
Homeoffice será coisa do passado: a vibe será o officehome (morar no trabalho, para fugir do traffic e do tráfico, que terá tomado completamente as streets). A língua portuguesa, tal como a conhecemos, não estará a cargo da Academia Brasileira de Letras, mas do Ibama.
Não vou dar mais spoiler da minha série, mas Dyennyfher e Dyonnathan se encontrarão, não haverá um crush, mas um crash (gíria nova que significará, sei lá, mil coisas) e ela, biting os lips, dirá:
– Eu quero me deliverar entirely para você, Dyonnathan.
Sim, o romantismo ainda existirá, mas o verbo “entregar” estará completamente extinto em 2025.