Já atuava como professora de ioga e meditação quando, aos 41 anos (2017), recebi o diagnóstico de câncer de mama. Eu estava para terminar o meu mestrado, cheia de projetos e planos; até então, sempre tive uma vida saudável, sem nenhum caso na família. Foi nesse momento que coloquei em prática os ensinamentos que havia adquirido.
Passei a viver no presente, enfrentando os desafios de cada dia, reconhecendo que não tinha controle sobre o que acontecia e que não precisava carregar o peso de todo o tratamento de uma só vez.
Para combater a insônia que surgiu, desenvolvi uma rotina de autocuidado que incluía a prática diária de posturas restaurativas que me proporcionam uma sensação de segurança e conforto, permitindo uma restauração profunda. Durante o tratamento, o corpo de um paciente oncológico passa por transformações dolorosas e desconfortáveis por causa dos efeitos colaterais. Além disso, a mudança na aparência, como a perda dos pelos do corpo em consequência da medicação, pode ser desafiadora.
Depois do 16º ciclo de quimioterapia, comecei a oferecer a prática de Ioga Restaurativa de forma gratuita e, em seguida, fundamos o Instituto ZENcancer, que, este ano, faz cinco anos de atividades e já ajudou na recuperação de mais de 600 pacientes oncológicos.
Em 2022, expandimos nossas ações para Portugal, onde, junto com a fisioterapeuta Maria Alice Medina, cofundadora da Associação ZENcancer Portugal – Saúde Integrativa em Oncologia, levamos nossa missão para o mundo. Nosso propósito é promover o bem-estar de todas as pessoas atingidas pelo câncer.
Mas como cheguei até aqui? A primeira experiência com a Ioga Restaurativa foi em 2004, em Nova York, quando tinha acabado de me mudar para a cidade. Entrei na aula da professora Kristin Leal sem saber o que eu vivenciaria. Pela primeira vez, senti, de forma consciente, as tensões se dissolvendo completamente e a resposta de relaxamento do corpo. Ficou claro naquele momento que a Ioga Restaurativa era a minha prática. Mas foi somente um ano depois que iniciei minha primeira formação com a intenção de aprofundar minha prática e ter o entendimento das posturas restaurativas.
Quando voltei ao Brasil, no fim de 2005, já não conseguia mais trabalhar com organização e produção de eventos; era como se eu tivesse desenvolvido uma intolerância ao estresse. Foi um momento difícil reconhecer que eu não estava feliz e não queria mais fazer o que eu fazia, mas também não tinha coragem de largar tudo e começar uma nova profissão aos 30 anos, quando estava em um ponto alto da minha trajetória profissional.
Foi quando o Marcello, meu marido, me fez a pergunta que clareou tudo: “O que te move? O que você faria até de graça?” Sem pensar duas vezes, respondi: “Ajudar as pessoas”. Um tempo depois, comecei a dar aulas de Ioga Restaurativa e vinyasa ioga e nunca mais parei.
Aqui, no Brasil, não se falava sobre Ioga Restaurativa com a abordagem que eu havia aprendido em NY; acabei sendo uma das precursoras a difundi-la no Rio. Jamais olhei para a prática como uma oportunidade de explorar um novo nicho dentro desse mercado. Meu primeiro objetivo era divulgá-la para que tivessem horários regulares nos centros de ioga e eu também pudesse praticá-la.
Começar a ensinar e dar workshops nas escolas foi uma demanda que surgiu naturalmente. A procura pelas aulas eram enormes, principalmente pelos professores de ioga, que começavam a praticar e queriam estudar comigo. Em 2009, fiz a formação em Ioga Restaurativa pelo método Relax and Renew, na Califórnia, com a professora Judith Hanson Lasater.
Ao olhar para trás, sinto uma profunda gratidão por ter seguido minha intuição e acreditado naquilo que verdadeiramente me move.
Na quarta (25/10), o ZENcancer, com a Fundação do Câncer e apoio do Theatro Municipal, vamos fazer o evento “Outubro mais que Rosa — A Vida é um Espetáculo!” para mulheres profissionais da saúde. Vamos falar sobre bem-estar, equilíbrio emocional e sobre a importância de prevenir o câncer, doença que apresentou 20% de crescimento na última década, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Essa parceria com a Fundação do Câncer me enche de alegria, pois representa o amadurecimento do nosso trabalho, que o oncologista Luiz Augusto Maltoni, diretor-executivo da Fundação, viu nascer, como meu médico cirurgião. A cada consulta, compartilhava com ele o meu desejo de fazer o que hoje fazemos.
Nós queremos que essas mulheres saiam do papel de profissional de saúde e passem a olhar para a vida delas e percebam o quanto elas precisam das práticas de autocuidado. Essas práticas também são momentos de lazer na cultura. Então, levar essas mulheres que estão sempre dentro de um ambiente como o hospital, onde a gente vê dor, sofrimento e lida com a finitude para um auditório com palestras que vão inspirá-las a cuidar de si, a buscarem essas práticas.
Luciana Lobo é instrutora de ioga, mestre em Microbiologia (pela UFRJ) e fundadora do Instituto ZENcancer – Saúde Integrativa em Oncologia (Brasil, em 2018, e Portugal, em 2022). A ONG oferece gratuitamente práticas de bem-estar para pacientes oncológicos, acompanhantes e profissionais da saúde. Também é autora do livro “O que aprendi com minhas células rebeldes?” (2020), que fala como a vida prepara as pessoas para os desafios e dá a oportunidade de usar as ferramentas necessárias. É também pranaterapeuta (Pranic Healing, com o mestre Choa Kok Sui, em 2012). É licenciada pelo Institute for Inner Studies (Filipinas, em 2014) como instrutora de Pranic Healing nível básico.