Sabores de Gabriela. Quem passa em frente ao restaurante mais baiano do Rio depara com uma cena pouco provável na gastronomia carioca: Iemanjá no andar de cima e Isis Rangel, a proprietária, sentada na calçada do andar de baixo, atenta aos pratos e aos passantes, de olho no serviço do salão, a postos para receber os clientes cativos. Afinal, trata-se de um restaurante de bairro. Especialmente no mês de setembro, quando, na sua Bahia, é tradição a oferta de caruru, Isis vem servindo um banquete baianamente especial: acarajé, abará, caruru, vatapá, xinxim de galinha, arroz, feijão-fradinho, banana-da-terra frita e farofa de dendê (R$ 110, por pessoa). Mas corre, que só vai até o dia 30.
No sincretismo, Isis Rangel podia ser a representação do axé, com as bênçãos do Nosso Senhor do Bonfim e todas as nuances do dendê. Ela já cozinhou para nomes ilustres da cultura e intelectualidade nacional e mundial — de Jorge Amado e Dias Gomes aos Rolling Stones, são mais de 30 anos dedicados ao acarajé, abará, vatapá, caruru…
Foi na porta do Sabores de Gabriela que esse jornalista presenciou uma cena tão emocionante quanto improvável: um buzinaço ao som de “Viva Isis Rangel!”, com aplausos de uma família inteira em retirada da casa. Até para uma cozinheira de mão cheia e arretada, foi difícil segurar as lágrimas. Isis é Touro, coração na mão. Tem amor puro e em quantidade farta pra todo mundo.
Recordar é viver. Isis abriu o Siri Mole, em Copacabana, no fim dos anos 1980. Ali, apresentou o acarajé aos cariocas de um modo diferente: com garfo e faca. De resto, era a mesma coisa: aberto ao meio, e com camarão seco, a saladinha, vatapá e caruru como recheio.
Casquinha de siri, fritada de bacalhau, moqueca, bobó de camarão e cocada de forno, mesmo para quem não é fã, um doce enlouquecedor: amarelinha e crocante. Isis, acredite, chega ao ponto certo.
Daí o festejado caruru, um prato cultuado por religiões de matriz africana e típico da culinária baiana, também protagonista no dia dos santos católicos Cosme e Damião, celebrado todo 27/09. No sincretismo religioso, a comemoração se estende para os Ibejis, divindades da tradição Iorubá, que representam as crianças.
As festas com caruru se espalham por todo o mês e movimentam as feiras de toda a Bahia já que a procura pelos produtos aumenta durante o período. No Rio, temos as cores e os Sabores de Gabriela.
Bruno Calixto é jornalista de gastronomia.
Fotos: Babi Reis