Um estudo aponta que 49% das pessoas trans e travestis enfrentam barreiras na hora de serem contratadas pelas empresas. Entre as pessoas LGBTI+, trabalhadores(as) trans e travestis representam o menor grupo entre os que recebem a partir de quatro salários-mínimos.
No entanto, um projeto de extensão da UFRJ vem dando voltas nessa triste realidade, inserindo parte dessa comunidade no circuito gastronômico carioca: o TransGarçonne, iniciativa que capacita e auxilia pessoas trans, travestis e não binárias a se inserirem no mercado de trabalho. Desde a primeira turma formada, em 2019, já são 22 pessoas contratadas em empregos formais, e outras atuando como freelancers.
Uma das primeiras formadas vem ganhando notoriedade no cenário nacional: Rochelly Rangel. Aos 36 anos, depois de recorrer a inúmeras formas de trabalho informais, ela é a primeira mulher trans a assinar uma carta de drinques para o 5 estrelas Hilton, em Copacabana.
Gomos de jaca, pimenta-da-jamaica e goiaba… É com muita cor, audácia e doses cavalares de inteligência que Rochelly — mulher trans, preta, vencedora de um reality show de coquetelaria — estreia por trás dos balcões do Hilton. Um dos coquetéis elaborados por ela é o Oxum: gim, limão, maracujá, manga, pimenta-da-jamaica e água tônica — frescor e personalidade para dar match com a cozinha do chef Pablo Ferreyra, uma dupla e tanto!!!
Desde sua criação, em 2019, o TransGarçonne qualificou 40 pessoas para trabalharem como garçons e bartenders, entre outras funções no ramo da hospitalidade. Na última segunda (26/06), o projeto começou sua terceira edição, com 20 novos alunos. O curso dura duas semanas e conta com aulas de higiene e segurança, etiqueta profissional, coquetelaria e prática de garçom. Ao final, os alunos passarão por entrevistas e auxílio na produção de seus currículos para serem encaminhados a empregadores.
“Através do TransGarçonne, eu tive a primeira oportunidade de ter uma carteira assinada, de ter um emprego formal e de conhecer uma nova profissão na área da gastronomia; hoje, eu consegui expandir isso. Tenho experiência na coquetelaria e conhecimentos mais profundos de como funciona um restaurante; então, o projeto me impactou não só profissionalmente, mas também no meu lado pessoal. Através dele, adquiri dignidade, que há anos eu não tinha, e hoje eu posso dizer que sou uma pessoa extremamente feliz”, conta Rochelly.
Para Danni Camilo, do SindRio, este é o momento de tirar essas pessoas da invisibilidade, e o mercado é muito responsável por integrar as pessoas que receberam o primeiro “não” dentro de casa, no seio familiar. “O primeiro lugar de repulsa é junto da família, portanto precisam de acolhimento. Já, desde a chegada delas ao mundo, implica negação. É sobre identidade”, ressalta Danni, que participa de uma roda de conversa na UFRJ, nesta sexta-feira (30), sobre gênero, gastronomia e empregabilidade.
Embora as contratações de profissionais trans e travestis tenham aumentado cerca de 40% em 2022, segundo levantamento da TransEmpregos, o percentual de vagas diminuiu em 5%, quando comparado a 2021. Um longo e espinhoso caminho pela frente…
Bruno Calixto é jornalista de gastronomia.