Vai longe o tempo em que o desejo sexual era definido pelas características capilares (“Os homens preferem as louras”, “É dos carecas que elas gostam mais”), calipígias (“Ela tem um remelexo, que valha-me Deus, Nossa Senhora!”) ou pelo conjunto da obra (“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”, “Moreno, alto, bonito e sensual, talvez eu seja a solução do seu problema”).
Homo, hétero, cis ou trans estão em vias de se tornar categorias obsoletas. É preciso encontrar um nicho sexual que mostre que você é único, uno, ímpar, irrepetível, singular, original, sui generis, o alecrim dourado que nasceu no campo por partenogênese, regado pelo primeiro orvalho da manhã durante o alinhamento dos planetas (em ordem alfabética), num ano bissexto e capicua.
Agora que a tatuagem já não individualiza mais ninguém (todos estão igualmente tatuados), o jeito é apelar para os novos nichos sexuais.
Bi, poli, pluri ou pan são para os fracos, os desprovidos de imaginação.
“Eu sou sapiossexual, eu me atraio por pessoas inteligentes, não necessariamente bonitas. Então eu não acho que eu tenho que ser hiper, ultra, megabonita. Então, assim… Para que eu vou botar silicone, entendeu? Deixa eu ler um livro porque vai funcionar muito mais”, diz a ativista gastronômica.
Imagino a abordagem:
– Oi, gata. Descobri agora o seu insta e queria te conhecer melhor. Pode me mandar uma foto da sua… estante?
– Não mando fotos íntimas assim, de cara.
– Pô, eu só pedi para ver a estante, não a prateleira de filosofia, antropologia e linguística. Posso mostrar o livrão que estou lendo agora?
As parafilias serão infinitas.
“Eu acho tão sexy quem tem consciência, quem tem responsabilidade com nosso planeta, não tem nada que me tire mais o tesão de que alguém que joga lixo no chão, que não recicla em casa”, diz o ator que se declara ecossexual.
Imagino a transa:
– Amor, não para. Estou quase…
– Vai, vai…
– Ai, fala uma coisa bem limpa!
– Como?
– Não para, amor! Uma coisa bem limpa, fala!
– Limpa… Tipo?
– Energia solar, água de reuso, algo assim… Vai, anda!
– É… hmmm… Sacola reciclável! Canudinho de papel!
– Oh yes, oh yes, oh yes!
Em breve, haverá os ecossexuais sistêmicos, os ecossexuais sustentáveis, os ecossexuais da matriz energética, os ecossexuais ambientais, os ecossexuais ambientais da Mata Atlântica, os ecossexuais ambientais da Mata Atlântica da floresta ombrófila mista etc.
Até chegarmos ao ponto em que cada um terá uma sexualidade exclusiva para chamar de sua.
E a sigla LGBTQIAP+ será reduzida a um E: seremos todos eumesmossexuais.