Uma das questões mais recorrentes, na era das redes sociais e games, é como incentivar o hábito da leitura em uma geração que passa a maior parte do tempo diante das telas. O apelo e os benefícios da tecnologia são inquestionáveis, portanto a intenção não é fazer com que uma criança se sinta constrangida por desfrutar deles, mas sim incentivada a experimentar outras atividades, por exemplo, a leitura. E o melhor modo de realizar isso é através do entretenimento. Crianças querem diversão em tudo o que fazem. A partir do momento em que descobrem que ler é de fato divertido e que, por meio de um livro, podem criar imagens mentais únicas, o prazer pela leitura se estabelece, e o tempo que passam diante de uma tela diminui de forma natural. Elas vão se flagrar rindo a cada situação engraçada, empolgadas, à medida que a história se desenvolve. Quem lê tem um universo à disposição.
Mas como dar início a esse processo? Lendo e contando histórias para as crianças desde o momento em que elas começam a compreendê-las. E, principalmente, ensinando pelo exemplo. Não adianta limitar o tempo de tela e tentar explicar a importância de ler um livro se os próprios adultos não fazem isso. Crianças aprendem por imitação. Se elas veem adultos lendo e frequentando livrarias, tendem a desenvolver o hábito também. Em pouco tempo, estarão escolhendo os próprios livros e revistas, apurando o interesse e desfrutando das recompensas que a prática proporciona, como o desenvolvimento da imaginação. Quando lemos, nós concebemos a aparência dos personagens, nos conectamos a eles, aprendemos sobre suas emoções, antecipamos o que vai acontecer e relacionamos os eventos às nossas próprias experiências. Esse sentimento de identificação é o que nos torna – ou deveria nos tornar – empáticos, um potencial que, por si só, já definiria o hábito da leitura como imprescindível, a cereja do bolo, embora a lista seja longa: aperfeiçoamento da concentração, da memória, do desenvolvimento escolar, do pensamento crítico, da habilidade cognitiva e por aí vai… Uma criança que tenha a capacidade de entender o outro, de se colocar no lugar do outro, que aprenda sobre pessoas, lugares e realidades além da sua, terá uma compreensão mais abrangente do mundo e se tornará um adulto muito melhor. O ideal é que a familiaridade com os livros surja antes da idade escolar, mas, caso isso não ocorra, a escola deve cumprir o papel.
Fui uma dessas crianças que amam ler e, não à toa, me tornei escritora. Quando escrevo para o público infanto-juvenil, tenho sempre em mente a menina que fui, escrevo para ela, mesmo porque ela ainda está bem viva dentro de mim. Lembro-me da minha infância com bastante nitidez, das brincadeiras cheias de imaginação, do primeiro dia de aula depois das férias, da escolha dos cadernos, da natação, dos amigos, das bicicletas e skates. Em especial, tenho muito presente a sensação de arrebatamento quando comecei a aprender a ler e a escrever. E, claro, de entrar numa livraria como se atravessasse um portal para outra dimensão e escolher um livro com a certeza de que eu viveria uma experiência mágica, independentemente do gênero da literatura. Afinal, ler é mesmo uma jornada com um quê de magia, é viver outras vidas, outros contextos, uma oportunidade de imersão total.
Recentemente lancei um livro para esse público, chamado “Rita Varmel à procura do rusdimepe”, o primeiro de uma trilogia cujo segundo volume já está a caminho. É sobre uma menina que vai parar no Vale Secreto, um lugar habitado por criaturas fantásticas. Lá, ela conhece um orfanato de super-heróis, é acolhida por uma família de vampiros que mora no meio da floresta e encarregada de desvendar um grande mistério. Antes de ir para o mercado, o livro já estava nas escolas públicas, pois foi selecionado para o PNLD literário; por isso, tive a oportunidade de perceber de que forma as crianças o receberam, e a resposta tem sido recompensadora. Não há nada mais gratificante para uma escritora do que saber que sua obra está contribuindo para formar novos leitores. Aquela menina que fui, e continuo a ser, vibra aqui dentro.
Gisele Joras é carioca, formada em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula e cursou Literatura Inglesa na Birkbeck University of London. No teatro, escreveu e dirigiu uma peça apresentada no premiado Samphire Festival, na Inglaterra. É roteirista e escritora. Na televisão, foi autora de novelas como “Amor e Intrigas” (2007/2008), escreveu a versão brasileira de “Bela, a Feia” (2009), e “Balacobaco” (2012). Acabou de lançar “Rita Varmel à Procura do Rusdimepe” (selo IBEP, da Companhia Editora Nacional), para o público infantojuvenil. (Foto: Verônica Peixoto)