Você está em casa, no bar, num Fifa Fan Fest, a quilômetros do campo – ou mesmo na arquibancada, a poucos metros. Mas suficientemente longe da bola. Não foi escalado, não tem fôlego para correr 15 minutos que sejam e possivelmente nem fabricam camisa oficial num tamanho que lhe sirva. Não usa uma chuteira desde os tempos em que elas eram pretas. E, no entanto, se empenha com um ímpeto que parece faltar àqueles que se perfilam para a foto oficial, fazem o sinal da cruz e dão uma corridinha para exibir suas novas tatuagens e o cabelo recém platinado.
Você é um torcedor. Não pode fazer nada pela vitória – muito menos contra a derrota. Mas se esgoela como se dos seus pulos na cadeira e dos seus palavrões dependesse o desfecho da peleja.
Seus gritos serão ouvidos por toda a vizinhança – mas nenhuma sílaba chegará aos tímpanos daquele que deveria estar um pouco mais adiantado, do que não viu que logo ali tem um atacante bem posicionado para receber o passe, do idiota que, por estar no olho do furacão, não consegue ver o todo.
Não, futebol não é videogame. Você não tem um console, manete ou seja lá como se chame aquela coisa cheia de setas e botões com as quais o gamer envia o comando e o personagem do jogo obedece. Não, telepatia só funciona nos filmes B. Sim, a fé remove montanhas, mas só se devidamente acompanhada de retroescavadeiras.
Nem por isso você deixa de torcer. Por saber que é inútil, talvez torça ainda mais fortemente. E vibra como se tivesse sido o responsável pelo que deu certo, e desaba com ódio do irresponsável que não entendeu seu comando telecinético e fez tudo errado.
Nem sempre se escolhe por que lado torcer. Normalmente, é um acidente geográfico: você nasce no Brasil, e se torna, automaticamente, sócio remido da torcida canarinho. Claro que há exceções: os cricris, os que misturam futebol e política, os que acreditam naquela balela de que o sangue dos ancestrais apita alguma coisa (como se houvesse um tipo sanguíneo para cada nacionalidade, com hemácia azzura, hemoglobina les bleus, plasma la roja).
Outras vezes, é o inconsciente quem manda. Você é tímido. Ou, pelo menos, não muito abusado. Acredita em elegância, arte, sabe o significado da palavra “inefável” e sente que não nasceu para o topo do pódio, para o pôster central do jornal do dia seguinte. A vitória terá sido um descuido do Destino. Nenhuma cor combina com você. E você se torna botafoguense.
Alvinegro, uma estrela solitária o peito, uma história de glórias passadas, de um tempo em que o mundo (ou pelo menos a fotografia) também ainda era em preto e branco. Mas você torce assim mesmo, como se houvesse um Flamengo em campo, um barça, um liverpúl, um parriçangermã.
“Por que você não torce para outro time?”. Porque, como ensinou o filme “O segredo dos seus olhos”, um homem muda de mulher e de religião – de time, não. Uma vez Botafogo, sempre Botafogo. Vamos cantar de coração, a estrela solitária é meu pendão, das não-cores que traduzem tradição
O Brasil talvez seja o seu, o nosso Botafogo. Um pouco escandalosamente colorido e com mais estrelas no escudo e no elenco (quem teve a ideia de chamar escrete de elenco merecia ser banido dos estádios). Com derrotas um pouco mais fragorosas e de repercussão mundial, não restritas ao entorno do Engenhão.
Torcida de futebol não altera o placar: é uma forma de fazer o ateu acreditar, o impassível se mover, o impossível (quase) se materializar. É terapia de grupo, é wishful thinking em modo turbo. É a vitória – de goleada – da ilusão sobre a lucidez. E nem por isso a gente deixa de torcer. Ou – com certeza – é por isso que a gente torce tanto.