Era uma vez um reino cuja chefe de Estado era a rainha Isabel, irmã da princesa Margarida. Casada com o príncipe Filipe, era mãe de Carlos, Ana, André e Eduardo. Carlos se casou com Diana, e dessa união nasceram Guilherme e Henrique. Guilherme se casou com Catarina, e tiveram Jorge, Carlota e Luís. Já Henrique… bem, disso a gente fala depois.
Não, esse reino não fica em nenhum país lusófono, mas na boa e velha Albião, também conhecida como ilhas britânicas. É só pesquisar na Wikipedia que você vai encontrar artigos assim sobre os reis Carlos Gustavo, Haroldo, príncipe Alberto e rainha Margarida (se perguntar por eles na Suécia, Noruega, Mônaco e Dinamarca, só com muito boa vontade saberão de quem se trata).
É que, ao contrário de nós, os portugueses mantiveram a tradição de traduzir nomes próprios. Não todos, claro, porque um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém.
Imagine ter que encontrar equivalentes em língua lusa para Maha Vajiralongkorn Bodindradebayavarangkun (rei da Tailândia), Naruhito (imperador do Japão), Mswati (rei de e-Swatini) ou mesmo para um Gladson (governador do Acre), Ibaneis (do DF) ou Belivaldo (de Sergipe). O que não impede que chamem de Maomé ao rei Mohammed do Marrocos.
Nós já seguimos essa moda no passado, daí o próprio Maomé, o original, que nunca foi chamado de Mohammed. E o Muhammad Ali, que nunca foi chamado (pelo menos por aqui) de Maomé.
Aprendemos, nos livros de História, sobre Henrique VIII — mas jamais houve menção ao escritor Henrique James, ao secretário de Estado Henrique Kissinger, ao diretor Henrique Ford ou ao super-homem Henrique Cavill. Mesma coisa com Guilherme Tell e o kaiser Guilherme da Alemanha – mas nunca Guilherme Shakespeare, Guilherme Bonner ou o rapper Guil.her.me, do Black Eyed Peas (que em Portugal deve ser conhecido como Ervilhas de Olhos Pretos).
Por que traduzir um nome? Imagine o moral que teria um agente que se apresentasse dizendo:
— Meu nome é Bond. Tiago Bond.
(Sim, o equivalente a James é Tiago — o que é uma longa história, e fica para outro dia).
Traduzíamos, num passado remoto, também nomes de cidades e países. Daí England ser, entre nós, Inglaterra — mas Groenlândia escapou de ser Verdeterra, Islândia de ser Geloterra, e os filhos da classe média alta de ir passar férias na Disneyterra. London virou Londres, Firenze virou Florença (exceto para os brasileiros em férias por lá, que insistem em usar o nome original, para parecer mais chique). Moskvá virou Moscou (Moscovo, para os lusitanos).
Apesar de Stuttgart ter virado Estugarda, Frankfurt ter que se conformar em ser Francoforte e Perpignan revirar os olhos cada vez que a chamam de Perpinhão, nem os portugueses ousaram chamar a capital argentina de Bons Ares, a da Bolívia de A Paz, a do Paraná de Pinheiral e a de Sergipe de Cajueiro dos Papagaios.
Como ninguém é perfeito, continuamos traduzindo os nomes dos papas — ou alguém aqui acompanhou o pontificado de Franciscus, Benedictus e Ioannes Paulus?
Voltando ao primeiro parágrafo, como será que os portugueses se referem à mulher do príncipe Henrique, conhecida no resto do planeta como Meghan? Em Portugal, há uma lista de “nomes admitidos” e os mais próximos são Mécia, Mecília, Meiline e Melco. Não rola. Mas Meghan vem do galês, e significa “pérola”. Então talvez tenhamos o príncipe Henrique e a duquesa Perla (Perla pode; Pérola, não — vá entender), com seus filhos Arquibaldo e Belinha (Lilibeth é um jeito carinhoso de se dizer Elizabeth).
Com mais calma, vou procurar saber como é que fazem com os nomes dos nossos jogadores de futebol: Ademílson, Araquém, Clayton, Denilson, Delan, Dorismar, Edevaldo, Erivélton, Joílson, Jucilei, Josimar, Marlon, Mozer, Neymar, Richarlison, Romário Wanderson, Wescley.
Traduzir Elizabeth e Charles do inglês é mole. Traduzir do brasileiro é que são elas.