Causou enorme repercussão — e não poderia mesmo ser diferente — o ataque racista e xenófobo não apenas aos filhos pequenos dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, como ainda a famílias de angolanos que se encontravam em um restaurante na Costa da Caparica, em Portugal.
Segundo noticiado nos meios de comunicação, uma mulher de nacionalidade portuguesa que passava em frente ao restaurante teria exigido, em alto e bom som, que as crianças e os cidadãos angolanos — por ela chamados de “pretos imundos” — fossem retirados do local, conduta essa que gerou imediata resposta dos presentes no local.
Muito embora o ataque racista e xenófobo praticado pela referida mulher tenha ocorrido em Portugal, cabe esclarecer que a legislação brasileira poderia ser aplicada ao caso, desde que preenchidas algumas condições previstas em nosso Código Penal, dentre as quais a autora do crime adentrar o território nacional.
Quanto a isso, parece-nos fundamental, até para que se compreenda qual crime a referida agressora cometeu, distinguirmos os delitos de injúria racial e racismo, previstos, respectivamente, no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal e na Lei nº 7716/89.
Nesse sentido, enquanto no crime de injúria racial o ataque é dirigido a uma pessoa específica ou a um grupo determinado de pessoas perfeitamente identificável, no delito de racismo o agente atenta contra uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de indivíduos.
Essa primeira diferenciação, como se vê, parece indicar que o crime praticada pela cidadã portuguesa, ao menos segundo a legislação brasileira, seria o de injúria racial, uma vez que os berros da enfurecida agressora foram direcionados a um grupo determinado de pessoas.
Todavia, a situação é bem mais complexa.
Afinal, no crime de injúria racial o agente se utiliza de elementos relacionados à raça, cor, religião, etnia, idade ou deficiência da vítima, com o propósito de ofendê-la. No delito de racismo, por sua vez, a intenção do agente é negar direitos fundamentais a um grupo de pessoas que detenham determinadas características em comum, as quais são utilizadas pelo agressor como forma de discriminação e menosprezo.
A partir dessas considerações, se pode compreender que no crime de injúria racial há uma relação, ainda que efêmera, de pessoalidade entre o agente e vítima, pessoa que o agressor deseja humilhar ou diminuir, circunstância inexistente, ao que parece, no caso ora analisado.
Em verdade, tudo indica que a odiosa conduta adotada pela agressora teve como objetivo impedir que pessoas negras pudessem estar no mesmo ambiente que indivíduos brancos, possuidores, ao ver da cidadã portuguesa, de mais direitos apenas e tão somente em razão da cor de sua pele.
Ademais, a conduta adotada pela ofensora também externou hediondo preconceito não apenas por buscar negar a cidadãos e cidadãs negros o gozo de direitos básicos, mas também por vincular às vítimas a pecha de imundos em razão da cor de suas peles.
Por todos esses motivos, entendemos que a conduta praticada pela agressora se amolda ao crime de racismo, inafiançável por expressa previsão de nossa Constituição Federal.
Infelizmente, a legislação portuguesa é significativamente mais branda do que a brasileira em casos como esse, o que viabilizou que a agressora fosse imediatamente liberada, fato que não ocorreria no Brasil, dada a inafiançabilidade do crime de racismo.