Tenho uma cisma (sei lá, coisa minha, como diria o André Gabeh) com médico cuja foto profissional é com um estetoscópio pendurado no pescoço.
Sendo arquiteto, nunca me ocorreu fazer pose carregando uma régua T ou um normógrafo (sim, sou do tempo da curva francesa, do gabarito de louça, do bolômetro e da canetinha de nanquim — mais ou menos como os sumérios, assírios e caldeus).
Posso estar enganado, mas não me lembro de ter ido a nenhuma consulta em que encontrasse o médico com o estetoscópio sobre os ombros como se fosse uma estola de pele — as olivas auriculares sendo as orelhas da raposa e o diafragma, sua cauda. Creio que pegassem o equipamento numa gaveta, em cima de um móvel (na próxima vez, vou reparar melhor).
Você não verá foto profissional de uma nutricionista segurando uma banana — por mais que ela (a banana) engorde e faça crescer, seja coisa nossa e tenha alto teor de carboidratos, teores consideráveis de vitaminas A, B1, B2, C e de sais minerais como potássio, fósforo, cálcio, sódio e magnésio.
Tampouco verá — seja no FB, no Twitter ou no Linkedin, dentista empunhando broca, engenheiro eletricista ostentando fusível, um arqueólogo erguendo mandíbula fossilizada, um juiz equilibrando balancinha e martelo.
Ok, astronautas posam com seus capacetes. Mas é porque ficaria esquisito usá-los com tanto oxigênio disponível no estúdio.
Talvez o estetoscópio sirva como elemento de desambiguação. Afinal, alguém de jaleco branco pode ser tanto médico quanto veterinário, fisioterapeuta, depiladora, dentista ou vendedor de colchão. E convenhamos que o estetoscópio seja mais esteticamente favorável que uma seringa, um bisturi, um rolo de esparadrapo ou um kit de intubação.
Também tenho cisma com quem tira foto segurando os óculos. Óculos foram feitos para corrigir alguma dificuldade de visão. Se você usa óculos e não quer sair de óculos na foto, é só deixá-los na mesa, no estojo ou pedir alguém que segure para você. Efetivamente, na hora da foto quem tem que enxergar bem é o fotógrafo. É ele que não pode perder o foco. Óculos na mão, para fazer charme de intelectual… sei não.
Chefs de cozinha adoram aquele chapéu de mestre cuca e colheres de pau — mesmo que, no dia a dia, usem touca descartável e escumadeira de inox. Políticos, na propaganda política, estão sempre de camisa jeans azul — ou, se forem sindicalistas, de camiseta. É mais ou menos como nos gibis, em que presidiários jamais tiram o uniforme listrado — e as avós capricham no look com agulhas de tricô espetadas no coque.
Implico também com foto à la Carl Sagan, com o olhar perdido no infinito. No caso dele, fazia sentido: por mais que o fotógrafo dissesse “Olha o passarinho, Carl!”, ele só tinha olhos para os confins do cosmos, embevecido que estava com dos delimites do universo. E ele tinha mais é que fazer essa pose mesmo: não dá para um astrônomo posar segurando um telescópio.
Foto que é foto, que desnuda a alma, é a mugshot — aquela feita pela polícia, de frente e de perfil, com uma plaquinha indicando a data, embaixo. Ali você é você, sem subterfúgios nem fotoshop. Ah, sim, e nenhum bandido faz aquela pose segurando a arma. Pensando bem, esse é o único tipo de retrato com que não implico. E — espero! — o único que nunca vou ter.