Não fui diagnosticada cedo, até porque vivemos em uma sociedade onde mostrar as fraquezas não é nada bacana.
E assim, durante minha adolescência, as crises de ansiedade eram abafadas com música alta, muitos livros, mergulhos na praia e um sorriso no rosto.
Quem me conhece sabe que alegria não me falta — eu vibro por mim e pelo outro, e é isso que me faz feliz, portanto ficou fácil esconder o cansaço. No entanto, com 23 anos, guardar a ansiedade já era inviável. Os sintomas evoluíram para crises de pânico diárias e inundaram a minha vida a tal ponto que tive que trancar a faculdade porque tudo, absolutamente tudo se tornou grande demais. O Transtorno do Pânico é algo que nos invade sem pedir licença. Só aqueles que já experimentaram sabem o desespero que é. O medo iminente da morte nos faz morrer em vida.
Tornei-me PHD em resiliência, foram muitos anos pulando de medicação em medicação, em busca de uma trégua comigo mesma. Até que conheci a Cannabis Medicinal e pela primeira vez, depois de mais de duas décadas, a tempestade interna acalmou; agora eu podia nadar em um mar calmo, finalmente. Fiquei tão encantada com os seus benefícios na minha vida que resolvi estudar como de fato acontecia esse processo. Quanto mais me especializava, mais impressionada ficava, e dali para empreender nessa indústria foi o fluxo natural, nada em mim resistiu. E como tudo na vida, quando estamos onde devemos estar o Universo conspira e inspira.
Costumo dizer que os desafios são nossos grandes mestres — com o Pânico, não foi diferente. Olhando para trás, agora num lugar de cura vejo o quanto cresci por causa dele. Eu me tornei mais empática, o que é fundamental na psicologia. Desse entendimento, tudo começou a fazer sentido. As crises não eram mais uma maldição nem muito menos uma escolha fraca de alguém permissivo. Aceitei que a ansiedade fazia, sim, parte da minha natureza — minha família é repleta de ansiosos. Acho que todo mundo tem alguém ansioso por perto, senão dentro de si, e tudo bem ser assim, desde que você aprenda a sublimar esse aspecto para viver de forma sagrada.
Hoje, minha inspiração é trazer esse tratamento para a Saúde Pública. Já consigo assumir casos pontuais de crianças atípicas de famílias em situações de vulnerabilidade econômica, mas podemos fazer muito mais. Países como Israel e Canadá já nos mostram um caminho de sucesso nesse sentido. Eles desbravaram o preconceito com relação à planta, o que, de certa forma, nos ajudou a permitir o seu uso para fins medicinais, aqui, no Brasil. Desde que tivemos essa vitória, milhares de pessoas são beneficiadas com o tratamento. Estamos falando de um espectro bem amplo uma vez que a Cannabis tem mais de quinhentos compostos com potencial terapêutico podendo tratar diversas patologias, entre elas autismo, epilepsia refratária, dores e inflamações crônicas, ansiedade, insônia e até depressão.
Respeitando a complexidade do ser humano, a sociedade pode se beneficiar tremendamente, despindo-se da prepotência quase divina de que o saber está exclusivamente na medicina tradicional.
Importante entender que o tratamento da Cannabis deve ser progressivo, “start slow — go slow”, e que as gotinhas que seu amigo toma não necessariamente serão a sua dose. O acompanhamento médico também é fundamental. Se tratarmos com seriedade, assim como fazemos com os alopáticos, temos grandes chances de uma mudança na trajetória da saúde em um contexto macro.
E não: fumar um baseado não é a mesma coisa. Quando fumamos, boa parte medicinal da planta se esvai, como o CBD. O que fica é um THC alto, que pode até lhe dar um barato, mas que não vai curá-lo (a).
Maria Klien é carioca, empresária da Indústria de Cannabis, sócia da CBFarma. Sócia fundadora do Instituto Gaia através do qual faz projetos em parceria com o poder público e privado em comunidades do Rio e São Paulo. É também co-fundadora do Colégio Estadual Jornalista Maurício Azedo — Escola Técnica em Logística.