Guarde bem esta palavra: uorabautismo.
Parece nome de doença. E é.
Ou de movimento religioso. O que também não deixa de ser.
Os uorabautistas estão chegando, estão chegando os uorabautistas — cantaria Jorge Ben, se tivesse uma bola de cristal lá nos anos 70, e quisesse falar desses que transformam o ouro do debate no ferro velho na conversa mole para boi dormir.
Se você não sabe o que significa, não adianta ir ao dicionário: o uorabautismo está em todos os lugares, menos lá. Por enquanto.
Dicionários etimológicos do futuro explicarão que a palavra vem do inglês “whataboutism”, que, por sua vez, deriva da expressão “what about?” .
— Minha filha, você vai sair com esse vestido todo amassado?
— E a senhora, que até agora não penteou o cabelo?
Uorabautismo é isso: uma forma hipócrita de fingir rebater um argumento não só sem entrar no mérito, como saindo pela tangente e partindo para o ataque.
Nos tempos da finada União Soviética (que Stálin a tenha!), era praxe que qualquer crítica dos americanos à falta de liberdade, à improdutividade, à violação dos direitos humanos etc fosse respondida com um “E vocês, nos Estados Unidos, que lincham negros? ”. Como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Como se uma coisa justificasse a outra.
Naquela língua estranha falada em Portugal, parece que o nome disso é “entãosismo”:
— Terrível esta invasão da Ucránia…
— Então, quando é que vais lamentar a invasão do Afeganistão, da Síria, do Iraque?
Uma vez que se lamente, condene e execre as invasões em questão, a conversa prosseguirá:
— E então, vais calar-te sobre o boicote a Cuba? Os ataques à Venezuela?
E assim a coisa seguirá, com o pré-requisito para achar terrível a invasão da Ucrânia ser a imprecação contra a anexação do Texas, a destruição do Império Inca pelos espanhóis, a tomada de Jerusalém pelos cruzados, a destruição de Pompéia pelo Vesúvio, a extinção dos dinossauros pelo meteoro (obviamente um agente do imperialismo) e assim até meia hora antes do Big Bang — quando, por exaustão, o uorabautismo mergulhará no caos de onde nunca deveria ter saído.
O uorabautista não quer convencer ninguém de nada: ele quer que você se sinta culpado. Burro. Inferior.
Ele não vai desmontar seus argumentos: vai tentar te enfiar goela abaixo que os “argumentos” dele são moralmente superiores.
Vai querer que você o perceba como alguém que tem uma visão muito mais ampla do que a sua – que, afinal, acha terrível a invasão de um país e a morte de alguns milhares de pessoas sem levar em conta a Otan, o aquecimento global, a crise do petróleo, a islamofobia e o etnocentrismo estrutural da sociedade falocapitaista.
— E os milhões que morrem de fome todos os anos na África? Estes não te comovem, porque são pretos, não é?
Sim, o uorabautista dará um jeito de te chamar de racista, machista, fascista, feio, bobo, de pé grande e que mora longe.
Mas será incapaz de falar do terrível que é a invasão da Ucrânia.
Ou admitir que o vestido esteja amassado.
Afinal, quem é você, de cabelo despenteado, para botar reparo no vestido de alguém?
— Tá, eu não tive tempo de pentear o cabelo. Mas esse vestido está muito amarfanhado…
— É? E o PT?
Não tente argumentar com um uorabautista. O uorabautismo é uma espécie de religião — uma crença que dá o conforto espiritual de jamais ter que abordar de frente nenhum assunto. E é uma doença. Ainda sem vacina, e possivelmente sem cura.