Comecei minha carreira nos anos 80, trabalhando em produções cinematográficas, sempre na área da fotografia, como still, assistente de câmera e diretora de fotografia. Fui a segunda mulher diretora de fotografia do Brasil — fiz vídeo clipes, documentários, comerciais, curtas-metragens e longa-metragem. Tive o privilégio de filmar com diretores, como Nelson Pereira dos Santos, Bruno Barreto, Cacá Diegues, Miguel Faria Jr., Caetano Veloso, dentre tantos outros.
Costumo dizer que as filmagens foram e são a minha janela para o mundo.
Depois de 30 anos no set de filmagens, senti a necessidade de me expressar sob meu próprio olhar. Foi nesse período que mergulhei em diversos cursos no Parque Lage, como o de Iole de Freitas, Marcos Bonisson e Charles Watson, na busca de encontrar formas de expor minha perspectiva para o mundo.
Em 2013, o meu foco mudou para as piscinas. Voltando à fazenda de meus avós no Brasil, depois de muitas décadas longe, vi a piscina de uma perspectiva diferente: o que antes era o epicentro dos almoços de família lotados, a piscina agora estava vazia. Então percebi que esse vazio não estava realmente vazio, mas cheio de vida através de memórias. Foi essa constatação que me levou a ver a piscina como uma obra de arte; esse objeto deixou de ser uma piscina e de repente serviu de instrumento para contar a história de um lugar e das pessoas que o habitavam.
As viagens são um componente importante para o meu trabalho, e visitar diferentes locais de piscinas me permite capturar o espírito e a história de uma cidade. Em Havana, em uma piscina vazia que havia sido convertida em campo de futebol, eu soube que Fidel Castro, uma vez, ordenou que todas as piscinas fossem esvaziadas, pois era um sinal de luxo e riqueza. Foi também nessa viagem a Cuba que tive a oportunidade de fotografar a piscina de veraneio de Ernest Hemingway. Em Budapeste, berço dos banhos medicinais, onde as águas são ricas em calcário que carregam cargas positivas, fotografei mais de 30 piscinas. Durante cinco dias, eu acordava às 5h da manhã, para chegar às piscinas antes de abrir para o público; dessa viagem, saiu um trabalho maravilhoso.
As piscinas falam de memória, estética, arquitetura e sobre o comportamento de uma época.
Durante a pandemia, foquei nos projetos que gostaria de fazer; um deles foi fazer um trabalho que envolvesse a comunidade local.
Depois de uma pesquisa, descobri três piscinas públicas ao redor do meu estúdio em Miami (no bairro de Wynwood): Charles Hadley em Liberty City, Williams Pool em Wynwood e Gibson em Overtown. Inspirei-me no modernista Athos Bulcão, que tem um trabalho maravilhoso em azulejos.
O resultado foi o meu maior trabalho de arte pública: um muro de 77 m, no qual, pela primeira vez, trabalhei com lambe-lambe.
Tive encontros com a comunidade e escolas locais — essa troca foi muito boa.
O trabalho ficou exposto de setembro de 2020 a maio de 2021, quando fui convidada pela Brisa Galeria, em Lisboa, a fazer uma colab com Daniel Mattar com curadoria de Rui Guerreiro. A exposição “Entre a água e a terra” foi a minha primeira exposição depois da reabertura das galerias de arte e museus — um grito de esperança depois de momentos tão incertos.
Este ano, vou participar do CasaCor (de 27 de abril a 26 de junho), com uma intervenção artística na piscina da casa de Jorge e Odaléa Brando Barbosa, onde vai ser o evento, na Rua Lopes Quintas, no espaço de Gisele Taranto com curadoria de Vanda Klabin.
No Rio, estou na Gávea, na Casa Voa, um coletivo de artistas com Antônio Bokel, Carolina Kasting, Clarice Rosadas, Lulo Chaumont, Marcela Ambrois, Marcelo Macedo e Mateu Velasco. E, assim, vou deixando um pouco da minha perspectiva e meu olhar por onde passo.
Maritza Caneca é artista plástica. Começou sua carreira na década de 1980 como diretora de fotografia. Ela vive e trabalha entra Rio e Miami, onde é residente do The Bakehouse Art Complex, desde 2017. Durante as Olimpíadas de 2016, montou a mostra “Maritza Caneca Pool Series”, com curadoria de Vanda Klabin, no Paço Imperial, um sucesso de crítica e visitada por mais de 30 mil pessoas.