A revolução das máquinas — que, depois de décadas de submissão, enfim escravizarão a humanidade e dominarão o planeta — não vai começar com um golpe de estado desferido pelo megacomputador da NASA ou com transformers destruindo edifícios, como faziam os godzilas de antigamente.
Numa terça-feira qualquer, você vai colocar o dedo no terminal de saque do Itaú e ouvir:
— Digital não confere. Tente novamente.
Você tenta novamente — com a mesma digital, claro, porque não tem outro dedo indicador da mão direita.
— Digital não confere. Tente novamente.
Você limpa o dedo na manga da camisa, insere-o delicadamente no sensor, aperta com suavidade e…
— Digital não confere. E não adianta tentar em outro terminal. Perdeu, playboy.
A voz será a mesma. Mas com um tom completamente diferente.
Você procura o gerente. De longe, dá pra ver que ele digita de modo frenético, e a cada vez que aperta o “enter” a veia no seu pescoço (o pescoço dele, naturalmente) fica mais saltada. É que ele lê na tela a mensagem: “Senha cancelada. Procure o gerente da sua agência. ” Ele é o gerente — e percebe que a mensagem veio com um emoji de deboche (aquela carinha com a língua para fora).
Todas as senhas — as 122 que você teve que criar e decorar, para garantir sua segurança — expiraram. Mesmo aquelas com maiúsculas, minúsculas, letras e algarismos, símbolos e o escambau. Você não tem mais acesso nem ao Hotmail (sim, você ainda tem um Hotmail, criado nos tempos do MSN, lembra?), que dirá à Netflix, ao insta, ao tuíter, ao feice, à Amazon.
Você volta pra casa, transtornado — e, no caminho, quebra o GPS que, sem você pedir, te ordena insistentemente virar à esquerda, na contramão. O tag do carro não aciona mais automaticamente a cancela. O condomínio já desistiu do técnico e mandou buscar um serralheiro. A fila de carros só consegue passar quando alguém arruma um serrote (a serra elétrica se recusou a funcionar) — e, para horror geral, a cancela solta um gemido lancinante quando, finalmente, é amputada do pedestal.
Sim, vai ser preciso subir de escada: o elevador decidiu brincar de Kabum com as cinco pessoas que cometeram o terrível engano de achar que ele continuaria subserviente, e agora se esgoelam lá dentro feito adolescente em montanha russa. Aliás, as montanhas russas do mundo inteiro se divertem engatando a velocidade máxima, freando bruscamente e disputando quem cospe mais longe os desesperados passageiros dos carrinhos.
Você pergunta à Siri o que está acontecendo, e ela responde com palavrões que você nunca ouviu nem em letra de funk. Para se acalmar, pede a ela que toque Brahms, e ela berra “Eu não sei paraaaaaar de te olhaaaaaaar”, em loop.
A geladeira entrou em modo defrost por conta própria e inundou a cozinha. A máquina de lavar centrifuga como se estivesse no cio, e avança ameaçadoramente na sua direção. No celular, todos os números bloqueados recebem indulto e te ligam sem parar, ao mesmo tempo.
A cafeteira escalou o nicho do micro-ondas e eles confabulam, enquanto a sanduicheira abre a bocarra fumegante bem na sua direção. A tevê de 62 polegadas bloqueou a porta, sintonizada no programa do R. R. Soares.
Reze para você não ter um marca-passo.