A gente pode ser versátil, mas Tonico Pereira é mais. A vida do ator, de 73 anos, pode ser roteiro de filme, série, peça e livros divididos por temas: drama, comédia, política, autoajuda, economia, sexo, amizade, negócios, amenidades, saúde, família, etc. Antes de virar artista, Tonico se interessou por advocacia, jogou futebol e, no meio do caminho — entre os trabalhos na TV, cinema e teatro —, montou oito negócios diversificados e todos foram à falência. Mesmo assim, continuou insistindo.
O último empreendimento está de pé desde o início de 2020, o TPM Brechó (um trocadilho com tesão pré-menstrual e a abreviatura de “Tonico Pereira Moda”), em Botafogo, que vende peças novas e usadas – segundo ele, “a coisa mais usada que tem aqui sou eu mesmo, mas infelizmente, não estou à venda” -, além das suas camisetas com frases criativas, que lançou em 2015, em que ele é seu próprio garoto-propaganda. Aliás, se quiser encontrar Tonico, ele está quase sempre na porta da loja, tocando o negócio com a sócia Simone Salles, e os funcionários Igor Soares e Miguel Angelo.
Embora tenha mais de 50 anos de carreira e mais de 60 trabalhos em várias plataformas, com muitos prêmios no currículo, ele não se considera um artista, mas, sim, um ator. “Não acredito em artista — taxista pode ser um artista, assim como o limpador de carros e até um ator. Como eu vou me intitular artista, sendo que Leonardo da Vinci realmente foi um artista?”, diz.
E uma das características marcantes desse grande artista (desculpa, Tonico!) é o humor sempre muito bem colocado. “Eu sou tragicômico. Eu acho que a linguagem do ser humano é a tragicômica. Eu sou os dois ao mesmo tempo”, diz.
E quanto ao lado nada cômico, ele tem passado por muitas provações, teve quatro cânceres de bexiga, um tumor de pulmão, além da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), que lhe causou, ao menos, 20 pneumonias, além de trombose e diabetes. O último susto foi em dezembro passado, internado às pressas com influenza e, novamente uma pneumonia, e ficou cinco dias numa UTI.
O último trabalho na TV foi uma participação especial em “Um Lugar ao Sol”, como o professor Romero, ex-mentor de Christian (Cauã Reymond). O ator está confirmado para o elenco de “Olho por Olho”, novela de João Emanuel Carneiro, na TV Globo, que entra depois de “Pantanal”. E também avisa que, em alguns dias, “Filosofando no banheiro — O livro de pensamentos de Tonico Pereira” (Vermelho Marinho) estará em todas as livrarias e bancas. A publicação traz reflexões variadas do ator, compiladas desde 2017 pelo produtor Caio Bucker, que assina a organização.
Tonico é louco pela família (é canceriano!), casado com a bailarina e coreógrafa Marina Salomão, desde 2004, com quem tem dois filhos, os gêmeos Antônio e Nina, e também é pai de Daniela e Thaia, filhas de seu primeiro casamento com a professora Eliane Pereira. É fanático por futebol e torcedor do Goytacaz Futebol Clube, ama carros antigos (tem uns seis) e é um dos mais afiados quando o assunto é política, mas, nesse papo com a coluna, a gente preferiu as amenidades.
UMA LOUCURA: tenho várias; uma é difícil. O meu nascimento já foi uma loucura. De lá pra cá, tenho cometido loucuras o tempo inteiro. E quem, atualmente, neste país, não está na loucura? Basta viver, que você já está enlouquecido.
UMA ROUBADA: já fali umas oito vezes. Sou recordista de falência. Agora estou tentando não falir no TPM. Já fiz até um filme com o título “Entrando numa roubada” (2015). Acho que fui escalado de forma perfeita, e o filme tinha razão.
UMA IDEIA FIXA: ninguém tem uma só. Tenho ideias fixas com relacionamentos, em ganhar dinheiro para me sustentar e à minha família. Aliás, essa é a mais forte de todas porque sou muito preocupado com filhos, irmãos – tudo está um pouco nas minhas costas. Acabo nem dormindo de tanta ideia fixa que me vem à cabeça.
UM PORRE: porra, tantas vezes (é lembrado por um amigo sobre as ‘cachaçadas’ e solta um ‘Puta que o pariu!’). É porque eu já fabriquei cachaça, só que tinha um nome proibitivo, mas eu vou falar… Eu costumava ter clientes como Tom Jobim etc., e coloquei o nome de “Saudável corrimento — uma cachaça para quem gosta de buceta”, a cachaça do Tonico, artesanal até no rótulo, porque era feito à mão. E vendia bem. Teve uma época que fiquei vivendo praticamente disso, no fim dos anos 1980. Não tinha nenhum elemento industrial, então nós é que qualificávamos a cachaça, provávamos e terminávamos sempre num porre homérico. Mas era boa pra cacete e todo mundo adorava.
UMA FRUSTRAÇÃO: meu Deus, são várias! A gente vive de frustrações, não sou eu, isso é do ser humano. Mas as frustrações me ensinam e isso é fundamental, porque sou daqueles que acham que o acerto não move ninguém, mas o erro é realmente propulsor de mudanças e coisas possivelmente legais. Meus personagens são construídos a partir dos meus erros, das minhas falhas, que são mais ricas que os acertos.
UM APAGÃO: quase morri apagado porque tive influenza com pneumonia, fiquei cinco dias na UTI, completamente apagado (em dezembro do ano passado). Não me lembro de como fui parar no hospital, e isso foi um apagão real, mas tem aqueles que a gente apaga por livre e espontânea vontade, várias vezes na vida.
UMA SÍNDROME: sei lá se eu tenho…. (Simone, sócia no brechó, soprou um ‘teimosia’). Ahhh, mas se você não for teimoso, você para, não anda. Então eu enfrento as teimosias, com eles (o pessoal do brechó) eu sou superteimoso e geralmente estou certo e eles, errados. Eu tenho que correr atrás da minha teimosia para que as coisas aconteçam.
UM MEDO: pessoalmente, não tenho, mas hoje, por exemplo, meu filho vai dormir fora porque vai a um show e eu não durmo. Ele tem 16 anos e é uma fase difícil hoje em dia, então eu tenho medo pelos meus netos, pelos meus filhos, meus irmãos, tenho medo pelos outros. A impressão que eu tenho é que eu sei me virar e que eles não sabem.
UM DEFEITO: todos. Como eu te falei, sou movido a defeitos e erros. Eles é que me movem e me levam pra frente. Acertar é uma utopia e uma merda. O erro te move. Já fali umas oito vezes, com livraria, peixaria, botequim, agência de automóvel… Tem mais coisa que nem me lembro. Eu aprendo, mas repito o erro. Aí vem a teimosia… aqui por exemplo, no brechó, é teimosia.
UM DESPRAZER: brochar. Se bem que eu brocho muito pouco.
UM INSUCESSO: às vezes, você faz um sucesso incrível no teatro e a coxia é uma merda. Às vezes, a peça é malsucedida, mas a coxia é maravilhosa, então dá vontade de ir ao teatro. Mas, em 10 peças, você vai acertar apenas uma. E eu não acredito que exista artista, tanto que me digo ator. Mas eu posso ter conseguido ser artista em uma pausa, em um segundo da vida. Tenho 50 e tantos anos de carreira e talvez tenha conseguido ser artista por alguns segundos, mas não é cotidiano.
UM IMPULSO: tenho vários. Sou movido a erros e impulsos.
UMA PARANOIA: não tenho medo de viajar de avião, mas eu odeio avião, e isso se torna uma paranoia. Já recusei trabalho a vida inteira por isso, agora mesmo estou em discussão para um trabalho, recusei outro porque tenho que viajar de avião. Não gosto de ter a minha vida determinada por outras pessoas. Talvez, se eu fosse piloto, viajasse tranquilo, mas não é o caso e sei lá se o cara bebeu, se brigou com a mulher e está de TPM.
Colaboração e foto: Daniel Delmiro