“Há algo de podre no reino da Dinamarca”. A famosa frase dita pelo personagem Marcelo para o jovem Hamlet, alertando-o sobre a situação de perigo em que ele mesmo se encontrava, pode ser adaptada para o mundo médico. “Há algo de podre na prática médica” deveria ser o alerta atual.
No mundo acelerado em que vivemos, frequentemente procuramos por soluções rápidas para os problemas de saúde, sem perceber que as tais soluções rápidas, muitas vezes, fazem parte do problema. A prática médica atual tem se caracterizado pela falta de tempo e despersonalização: médicos apressados, pacientes anônimos, contatos humanos rápidos e insatisfatórios. Em vez do contato médico-paciente, construiu-se uma cultura de solicitação de exames desnecessários e realização de procedimentos que não estão validados pela melhor evidência disponível. Raro é o paciente que não sai do consultório de seu médico sem uma solicitação da chamada “bateria de exames” — termo genérico que nada significa — e que, justamente por isso, não se sinta bem cuidado. “Meu médico me solicitou vários exames” é uma frase comumente repetida como sinônimo de competência e bom atendimento.
Entretanto, pouco se discute sobre as consequências de exames desnecessários solicitados sem a devida individualização. A cultura médica é baseada no fazer — fazer alguma coisa — e pouco no refletir. Os médicos sentem-se desconfortáveis com a qualidade de seu trabalho, e os pacientes se veem à mercê de um imenso complexo de saúde que os consome e não resolve os problemas originais.
Desse conflito nasceu o Slow Medicine — Medicina Lenta. Esse movimento propõe resgatar a qualidade do tempo na medicina — da atenção individualizada, da escuta, do toque — e do não fazer, quando nenhuma conduta específica é requerida. O Slow Medicine não é contra a ciência — pelo contrário, ele incorpora a melhor evidência disponível para a tomada de decisões, que devem ser tomadas de forma conjunta com o paciente, sempre que possível. Dessa forma, a autonomia do paciente assume o protagonismo, e o médico serve como guia que auxilia a pessoa a navegar no mundo de opções terapêuticas que incluem, muitas vezes, apenas observar.
O Slow Medicine é um movimento pelo resgate da medicina como ela deveria ser — centrada no humano, tendo a autonomia do paciente como protagonista, individualizada e, sobretudo, com tempo.
Cassia Righy é intensivista, médica do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e pesquisadora do Laboratório de Medicina Intensiva da Fundação Oswaldo Cruz. Fez doutorado em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas na Fiocruz e pós-doutorado no Instituto Pasteur.