Que me perdoem o Einstein, o Newton e o Freud, mas o que impede o universo de ser tão imprevisível quanto uma ninhada de cachorro vira-lata ou de entrar em colapso a qualquer momento, como a economia brasileira, não são a lei da gravitação universal, a relatividade geral ou a paciência do ego diante da interminável treta do id com o superego.
É a teia de pequenas ortodoxias que a humanidade vem construindo há 3,5 bilhões de anos, desde quando ainda éramos chamados, algo depreciativamente, de sopa primordial.
Os primeiros aminoácidos com estabilidade financeira para poder se dedicar a pensar na vida, e não apenas tratar de se manter vivos, devem ter percebido que ou criavam estruturas estabilizadoras ou isso aqui ia ser uma eterna micareta, um aniversário do Guanabara, uma programação da Globo em época de campeonato brasileiro.
Sei que tudo está nos conformes, e o Sol despontará a leste para ir se deitar a oeste, quando ouço a JB FM e entre duas músicas brasileiras há sempre uma estrangeira. Jamais duas músicas brasileiras foram tocadas em sequência em toda a história da emissora. No dia em que isso acontecer, te prepara que o Sol se sentirá livre para ir dormir a oeste, depois de ter se levantado, de supetão, a su-sudeste (sim, isso existe, não é dislalia minha) às duas da madrugada.
O tango pode ser desconstruído pelo Piazzola e os planetas seguirão em sua órbita. Inventa-se o samba-rock, o samba-jazz, o samba-funk, o samba-choro, o samba de breque e até a bossa nova, que é um samba ditado pelo espírito do Debussy, e a água continua com duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. Mas experimente mudar o arco dramático de uma música da Alcione pra ver o que acontece.
Não, eu gosto muito da Alcione e das músicas da Alcione. (Alcione, se você estiver lendo isto, saiba que sou seu fã, que temos amigos em comum, que adoraria te conhecer. Mas quando te ouço, já preparo o fôlego e o coração porque, depois daquele começo mansinho e malemolente, a coisa vem crescendo, vem crescendo, VEM CRESCENDO, e vira uma cabeça d’água, um assalto a banco em cidade do interior, uma tsunami. O Elymar Santos e os cantores italianos dos anos 60 também faziam isso, mas ninguém faz tão bem quanto você. Começa só no sapatinho e termina numa apoteose, de pé no chão e a alma em frangalhos. O dia em que você gravar “Light my fire”, que é a música mais chata, mais linear e menos musical que eu conheço, um buraco negro nos sugará e acabou-se o que era doce).
O dia em que alguém entender o que diz um psicanalista lacaniano, a Terra passará a girar em torno da Lua — e em ziguezague, cantando Macarena. O dia em que a moça da padaria do Zona Sul achar que é mais importante atender o pessoal que está na fila do que arrumar a prateleira ou botar em dia o assunto com a menina do caixa, a cauda é que vai puxar o cometa. O dia em que o Camarotti não disser “Você tem aí”, os pulsares começaram a quasar e os quasares entrarão em pulsação. Aliás, o dia em que os jornalistas em geral passarem a usar “aí” apenas como advérbio ou interjeição — e não como ponteirinho de segundos nas suas frases — o Big Bang fará um recall e começará tudo de novo, pra ver se, desta vez, dá certo.
Por que você acha que sua tia Cotinha insiste em botar cravo no doce de sidra e servir batata palha junto com estrogonofe? Razões gastronômicas é que não são mesmo. Se ela não fizer isso, contra tudo o que manda o bom senso e o bom gosto, o Cruzeiro do Sul vira um pentagrama, Marte vai orbitar Vênus (com as piores intenções) e os anéis de Saturno sairão bamboleando pela Via Láctea. Sua tia Cotinha, o programador da JB FM, os lacanianos, a moça da padaria do Zona Sul e a Alcione são, na verdade, guardiães da galáxia.
Tinha também as embalagens de Maizena, Leite Moça e Bombril, mas andaram brincando com fogo e tenho certeza de que, em algum lugar do espaço sideral, uma estrela mudou de constelação, uma constelação migrou da Nuvem de Magalhães para Andrômeda e — no caso do rótulo do Leite Moça — sistemas solares inteiros se bandearam para a antimatéria.
Esta semana, um expoente da direita mentiu descaradamente, e um líder da esquerda contou um monte de lorotas. Podemos descansar tranquilos: ainda não é agora que vão soar as trombetas do apocalipse.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.