Não entrando a fundo na questão do tempo, que é profundamente relativo, dependendo do observador etc. e tal, atenho-me ao tempo ordinário, o usado por nós, seres mundanos, aquele que marca nossa passagem por esse mundo tridimensional.
O dia e o ano eram 14 de setembro de 2007, quando o celular tocou durante uma aula que eu ministrava na disciplina de Gerenciamento Ambiental. Aguardei o intervalo e me pus à disposição para explicar a foto que eu havia encaminhado à redação do jornal O Globo.
Era uma visão aérea do projeto OlhoVerde mostrando, no dia e na hora certa, a condição de profundo assoreamento e agonia daquele ecossistema. A lagoa havia sido transformada num “canal pútrido e raso, cercado por ilhas de lama e lixo”, como desde então tenho repetido sistematicamente. Mais do que isso, o órgão ambiental da época informava que, naquela única lagoa, jaziam estimados 6,5 milhões de metros cúbicos de lama e lixo, consequência de décadas de descaso criminoso por parte do poder público.
De lá para cá, isto é, dos jogos Pan-Americanos de 2007 e das Olimpíadas de 2016, ouvi muitas promessas e o uso e abuso do termo legado, especialmente a respeito do ambiente.
Praticamente em termos ambientais, não aconteceu coisa alguma, a não ser a piora do quadro de agonia, apesar dos bilhões de reais despejados em obras de todos os tipos — uma verdadeira alegria sem fim para a classe política e amigos, naquela época, de vacas obesas mórbidas, onde não faltava dinheiro para o que era de interesse, mas sobrava falta de vontade para a questão ambiental.
Não é segredo para ninguém que o tema ambiental, para a maior parte esmagadora da classe política nacional, não é um tema querido, como também de pouco interesse da maior parte do eleitorado. Portanto, não gerando votos, a turma não se anima a trabalhar sério no assunto.
Mas, particularmente, levando em conta que, todo o mundo estava de olho em nossa cidade em virtude do maior evento esportivo mundial, pensei burramente que, dessa vez, as autoridades daquele período iriam se mexer, trabalhar direito pelo menos uma vez.
Estava enganado! A não ser por alguns poucos que, de fato, eu vi pessoalmente empenho para fazer “a coisa andar”, a maioria, que podia, criou problemas e mais problemas que só agravaram a situação que, em 2007, já era desesperadora.
O que poderia ter sido feito, para, literalmente, sabotar as propostas de recuperação, foi feito com maestria. De lá para cá, quem fez aconteceu e deu opinião sem pouco ou quase nada conhecer de fato o problema, simplesmente desapareceu. Afinal os holofotes se apagaram com o fim das Olimpíadas, e os experts ambientais de escritório se recolheram.
Pois bem. Como não há mal que dure para sempre, com a recentíssima concessão dos serviços de água e esgoto na Baixada de Jacarepaguá, ressurge a expectativa de potencial recuperação do maior passivo ambiental exclusivo do município do Rio de Janeiro.
Há vontade política e recursos mais uma vez, desde 2016 — um verdadeiro milagre que, nem tão cedo, poderá se repetir. É verdade que os recursos disponíveis encolheram mais do que a metade quando comparados com os disponibilizados no projeto olímpico, e sabe-se lá como, os experts chegaram ao atual número, mas, sem dúvida, a conciliação dos atuais recursos garantidos pela iniciativa privada com a garantia do governo do Estado que, se faltar dinheiro, o mesmo providenciará a complementação, faz de fato ressurgir a expectativa de melhoras no sistema lagunar de Jacarepaguá.
Diante desse contexto potencialmente favorável, marcou-se uma recente visita com os técnicos da secretaria ambiental do estado e da empresa concessionária, para uma vistoria técnica nos trechos mais emergenciais em termos de intervenção.
Lá estávamos todos no horário marcado para embarcar e visitar o itinerário previamente combinado, quando, porém, houve um problema.
Navegando, ou melhor, empurrando lama e lixo desde 1992, eu, simplesmente com a minha embarcação de fundo chato e conhecendo os meandros de passagem do sistema lagunar, não consegui navegar. Fiquei literalmente entalado, atolado com minha embarcação nas “ilhas de lama e lixo”.
A vistoria acabou se limitando onde o processo de assoreamento permitia a navegação, em trecho bem limitado, mostrando para todos os presentes a gravidade da situação em termos ambientais, de drenagem e de saúde pública, visto que todo aquele “mingau de esgoto” rumava para a praia da Barra.
Entre as idas e vindas, empurrando lama, tirei, no dia 2 de setembro de 2021, uma nova foto da lagoa da Tijuca, com um intervalo quase exato de 14 anos daquela primeira foto aérea de 2007 (14 de setembro).
A semelhança entre ambas era que diziam respeito à lagoa da Tijuca, ao seu assoreamento, à agonia de um ecossistema numa das regiões que mais crescem na cidade do Rio de Janeiro, onde as duas ocuparam a primeira página do jornal O Globo.
Coincidência ou não, essa última foto de primeira página era apresentada ao público, no Dia do Biólogo (03/09).
Enfim, coincidências ou sincronicidades à parte, fato é que, de 2007 até hoje, as coisas só fizeram desandar na Baixada de Jacarepaguá, seja com o crescimento urbano desordenado, seja com a falta de saneamento universalizado, onde a delinquência ambiental, vip ou não vip, deita e rola com a certeza de que tem a respeito da impunidade quando o tema é ambiental.
Em resumo, a luta em defesa do sistema lagunar de Jacarepaguá e de sua recuperação continua, sendo que o tal tempo ordinário continua passando, e o detonador da bomba relógio por tantas décadas de descaso continua avançando. Resta saber se seremos ágeis o suficiente para desarmarmos essa bomba, bem como, na pior das hipóteses, capazes de reduzir os estragos de sua explosão.
Mas isso fica para um artigo mais à frente.