O mundo enlouqueceu depois dos anos 2000. Não gosto de posicionar-me sobre assuntos polêmicos ou com alto teor de política partidária, pois, apesar de ter argumento e disposição, não tenho tempo nem paciência para alimentar intermináveis conversas e brigas virtuais. E, como sabemos, onde tem muita emoção, falta razão!
Mas, com o assunto da venda do Palácio Gustavo Capanema, estou recebendo mensagens de amigos queridos que querem saber a minha opinião, e de outros que estão jogando indiretas, achando que quem não está opinando tem medo de se comprometer…
Em 2019, visitei as obras de recuperação do Palácio Capanema e vi a esmerada restauração que estava sendo feita à época. Hoje eu soube que gastaram absurdos R$ 57,8 milhões naquela recuperação. Ao ver essa cifra, fico reflexivo de como se gasta um valor como esse para um prédio tão recente, enquanto uma joia arquitetônica, histórica, artística e afetiva, como o prédio do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista (Museu Nacional), foi indefinidamente preterido e deixado para apodrecer. Seu fim foi o que vimos em 2 de setembro de 2018. Naturalmente, o órgão que o tombou deveria ter vistoriado e atestado o estado, portanto é corresponsável pela perda do bem.
Da mesma forma, fico a imaginar os motivos de se desprezarem construções, como as fazendas Colubandê (São Gonçalo), do Viegas (Senador Camará), do Capão (Del Castilho), Mandiquera (Quissamã), Machadinha (Quissamã) e inúmeras igrejas históricas, e todas as pessoas acompanharem isso e não moverem uma sobrancelha, mas se debaterem e estrebucharem por um prédio dos anos 1930!
Com isso, não existe nenhuma crítica ao chamado Palácio Gustavo Capanema, considerado um marco arquitetônico do século XX, exemplo do Modernismo internacional e reconhecido como o primeiro edifício modernista de todas as Américas.
O edifício foi concebido, nos anos 1930, pelo chamado Grupo dos 6 da Arquitetura (Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy, Ernâni Vasconcelos e Jorge Moreira), a partir de um desenho do francês Le Corbusier, chamado de o “Papa do Brutalismo”, que também foi consultor. O edifício foi construído para sediar o Ministério da Educação e Saúde Pública (atual Palácio Gustavo Capanema); depois foi ocupado pelo Ministério da Cultura.
O edifício teve como engenheiro Emílio Henrique Baumgart, foi erguido entre 1936 e 1945, e é sabido ser a primeira edificação do continente a utilizar, de forma maciça, todos os princípios do Modernismo em escala monumental. Para somar, incluiu-se uma vibrante integração de mobiliário com obras de arte e um nobre jardim montado no amplo terraço projetado por Burle Marx.
Tombado provisoriamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), até recentemente abrigou a sede do Ministério da Cultura no Rio (apelidado de MEC, antigo Ministério da Educação e Cultura) e depois MinC.
Com a equivocada extinção do Ministério da Cultura em 2019, nada foi colocado no lugar. Creio que a manutenção do prédio fechado seja mesmo altíssima, e ultimamente estava realmente deteriorado. No entanto, recentemente, foi totalmente restaurado com dinheiro público por meio de investimentos de R$ 57,8 milhões, como eu disse acima, advindos do PAC Cidades Históricas. O prédio tem 16 andares, área de 27.536 m2 e possui mais de 50 obras de arte de importantes artistas, como Pancetti, Portinari, Celso Antônio, Bruno Giorgi, Guignard, entre outros, além de amplo teatro e auditório.
Segundo as informações (ainda confusas), o prédio vai a leilão no dia 27 de agosto e foi incluído numa espécie de “saldão” que o Governo Federal organizou com imóveis públicos, no qual estão incluídos os seguintes: Edifício A Noite (de Joseph Gire com projeto de estrutura de Emílio Baumgart), de 1928; a antiga sede da RFFSA e outras 2.260 unidades da União.
Creio que esse ato de venda não seja adequado pelos seguintes motivos:
a) a Constituição Federal reza que “O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”;
b) Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, reza, em seu artigo 11º, que “As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades”;
c) o fato de terem sido gastos quase 58 milhões na recuperação do prédio faz com que seja sem sentido a sua venda tão logo se acabe de concluir a restauração.
Penso que, para a União ou Estado ou Prefeitura terem, no seu patrimônio imobiliário, uma infinidade de bens parados, sem uso ou fechados não é produtivo. Todavia, menos produtivo é o ente público ser o proprietário de inumeráveis bens e, ainda assim, termos conhecimento de que alugam andares e prédios aqui e ali, para instalar suas secretarias e outras repartições.
Todos sabem da história da instalação da Secretaria de Estado de Cultura (no Governo de Sérgio Cabral) em um andar do prédio da Rua da Quitanda, cujo aluguel era astronômico (primeiro R$ 1 milhão por mês e depois R$ 600 mil), até que seu secretário decidiu pela mudança para a Biblioteca Parque (próprio estadual), antes que acontecesse o despejo por falta de pagamentos dos aluguéis.
Todos também sabem que a Secretaria de Estado de Transporte ocupa três andares (9º, 10º e 11º) de um prédio na Av. Nossa Senhora de Copacabana, 493, enquanto que o prédio histórico da Estação da Leopoldina está desocupado e deteriorando indefinidamente.
Sabemos que o próprio IPHAN do Rio, no início de sua reforma na Avenida Rio Branco, 46, passou a ocupar parte do prédio do Teleporto com um aluguel significativo também, apesar de a União dispor de vários bens que estavam desocupados.
Interessa a quem que sejam pagos os aluguéis de prédios para repartições do serviço público? Mas, de qualquer forma, eu acredito que as vendas de patrimônio da União, dos Estados ou das Prefeituras deveriam ser mais bem dispostas por meio de leis específicas e passar por um rito próprio e que não representasse a vontade de um gestor em determinado momento, e sim que tivesse que ser aprovado em outras instâncias, de forma que esse rito pudesse garantir que o ato seria apropriado e realmente vantajoso para o tal governo de forma não imediata, mas em longo prazo.
Também creio que o fato de o poder público deter prédios (e territórios) significativos reforça a imagem, força a credibilidade do próprio Governo vender seus patrimônios. Significa trocar “terra” (e o território que ela significa) pelo vil dinheiro, que pode ter fins diversos, inclusive sumir ou evaporar, como é corriqueiro no Brasil.
Contudo, na minha opinião, o mais importante é o fato de haver mudanças no próprio IPHAN Nacional. Se virmos bem, a maior parte dos servidores do IPHAN é do Rio, São Paulo e da Região Sudeste, o que gera um gasto de passagens aéreas e de acomodações significativas em Brasília.
Não se deveria pensar em vender o antigo MINC, mas, de fato, transferir toda a administração do IPHAN para o Rio e, efetivamente, ocupar todo o prédio com seus departamentos. Inclusive juntando setores que estão hoje dispersos, equacionando isso de uma vez por todas. Assim, a economia do Governo Federal seria imensa com deslocamentos e outras despesas.
O mesmo eu penso do “Fonsecão”, em São Cristóvão (Rua Fonseca Telles), que pertence ao estado do Rio e está sucateado, com somente três andares em uso. Acho que as diversas repartições e Secretarias do Estado deveriam ocupar o mesmo prédio por questões de uma melhor gestão e de economia, da mesma forma que a Prefeitura ocupa o CASS (Centro Administrativo São Sebastião) e funciona exemplarmente.
Creio que, com a centralização de unidades de gestão, finalmente poderíamos evitar processos de corrupção e otimização da administração pública, uma vez que todas as secretarias ocupariam um mesmo local. Precisamos pensar, a médio e longo prazo, em começar a aplicar recursos naquilo que é realmente importante e que atenda aos anseios da população.
Claudio Prado de Mello é arqueólogo, historiador e diretor-presidente do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do RJ (IPHARJ).