Minha história de ressignificação do conceito de beleza e aceitação das mudanças que vêm com a maturidade iniciou de um processo de curiosidade, de descoberta de quem eu realmente era debaixo de camadas e mais camadas de tinta aplicadas nos fios de um cabelo que, ao longo de muitos anos, foi tornando-se mais sem viço e sem movimento, repetindo, sem perceber, o padrão normótico que nos é imposto.
Em uma conversa com minha filha, deixei escapar que tinha receio de parar de pintar, pois, como sempre tive cabelos escuros, temia não me reconhecer. Foi aí que ela fez virar uma chave ao me indagar quem eu realmente me tornara, pois certamente não era mais a mulher de cabelo castanho-escuro do passado.
E tudo bem não ser — somos seres em mutação, o tempo todo.
Como em toda fase de transição, já vou adiantando que não foi nada fácil. Quando se cogita essa escolha, o que mais ouvimos são críticas negativas: de que vamos parecer mais velhas, de que a mulher que não pinta o cabelo não é vaidosa, que tem uma aparência desleixada. Já ouvi até dizerem que a mulher grisalha parece não estar limpa — um absurdo, ainda mais se tratando de observações que, na maioria das vezes, ouvimos de outras mulheres.
Em uma sociedade patriarcal, somos criadas cultuando e associando a beleza à juventude, como se fosse uma qualidade essencial e primordial para obtermos êxito em nossa vida. No entanto, infelizmente, muitas mulheres ainda continuam exaltando padrões de beleza, o que acaba gerando e estimulando uma espécie de competição, quando, na verdade, a real beleza é atemporal, e não deveríamos tentar padronizar o que é único. Na moda, assim como na vida, devemos ser plurais, pois ser belo é estar em sua hora, em seu momento, cada uma com suas individualidades.
É preciso muita coragem para superar toda essa imposição e descobrir quem realmente somos nessa nossa nova fase de vida. Posso garantir que essa descoberta é libertadora! O início do processo é um pouco complicado, mas, à medida que deixamos a natureza agir, vamos nos surpreendendo a cada dia.
E, de repente, você está lá, sentindo-se livre da tal imposição que passa a não fazer mais sentido algum para você. E é tão bonito quando você se redescobre! Passa a novamente gostar do que vê no espelho, reacende aquela vaidade e vontade de se sentir bonita, só que agora de uma nova forma. Quando percebe, está se arrumando mais, para valorizar o seu novo estilo, e não para camuflar a idade.
O envelhecimento não deveria ser recebido como um fardo, mas sim como um prêmio dado a poucos.
E por incrível que pareça, você começa a ver que os outros também notam esse aflorar. Você não passa mais despercebida. Outras mulheres fazem você de referência, você passa a receber mais elogios, pois aquilo está vindo de dentro e refletindo do lado de fora. Poder influenciar outras mulheres a chegar onde você está é muito gratificante e estimula a prosseguir na sua escolha.
Ao nos aceitarmos completamente, como disse anteriormente, passamos a ressignificar o que a beleza representa; se isso for feito de forma natural, melhor ainda. Não querendo obviamente trocar uma imposição por outra, pois não sou avessa a optar pelo que te faz bem, apenas acho que podemos ter várias opções de escolha.
Creio que devemos sempre tirar lições dos momentos que estamos passando e, justamente nessa hora em que todos enfrentamos tempos tão estranhos com a pandemia, passar por tudo isso sem procurar valorizar o que realmente importa será um grande desperdício.
Pra mim, foi um momento de reflexão, transformação e aceitação. Juntamente com toda essa mudança, comecei a perceber que o mercado também mudava — a forma de consumir não é mais a mesma. Buscamos produtos com os quais nos identificamos muito mais agora do que aquela compra de um item por impulso ou só por estar na moda.
Com isso, vislumbrei um nicho em que eu me encaixava e imaginei que outras pessoas também gostariam de se ver representadas. Afinal, a economia prateada é uma das maiores atividades econômicas da atualidade, e grande parte dela não se sente representada pela comunicação, porém somos impactados pela propaganda quando nos reconhecemos nela.
Somos de uma geração que protagonizou grandes mudanças sociais, e hoje vamos transformar o consumo e revolucionar o conceito de envelhecer. Toda hora ouvimos que os 50 são os novos 30.
Ao enxergar essa possibilidade, eu, como ser mutante que sou, passei de fonoaudióloga para vendedora do mercado de luxo. Com essa bagagem e experiências, embarco na carreira de modelo para uma faixa de consumidores com um enorme potencial de compra. Hoje, já não tenho medo de envelhecer, não me sinto insegura, sei que podemos ser belas em todas as fases.
E, apesar das dificuldades que todos enfrentamos em nossa jornada, a vida é bela!
Cláudia Porto é formada em Fonoaudiologia, profissão que exerceu até 2018, quando virou modelo aos 53 e vem se destacando na moda e publicidade, uma das apostas da agência Mix Models, de Pedro Bellver e Wellington Vieira. Ela, que faz Ioga e Meditação, acredita que permanecer ativa é um dos segredos para inspirar pessoas como ela e as próximas gerações “a enxergarem a beleza múltipla, como ela de fato é”.