Híbrido é o que sou; por isso, devo estar na moda, aliás, no Museu da Moda. Depois eu explico. Agora, vivemos no presencial e no virtual, alternadamente, com um pé em cada lugar; no meu caso, entre Rio e São Paulo. Nascido por acaso em Santos (por isso, paulista), me criei nas praias cariocas e escolhi o planalto paulista (sem ir às piscinas; não dá tempo!) para trabalhar e viver nos últimos 17 anos. Onde é melhor? Na ponte aérea ou na Via Dutra, e na soma das duas metrópoles.
Hoje, quando, no Rio, volto a agradecer com um “valeu!”, em vez de “obrigado”, da mesma forma natural com que brado a interjeição “meu!”, quando estou indignado em São Paulo — porque ali ninguém fica “puto”, e “puta” é adjetivo = grande, enorme dependendo da entonação.
Nesta temporada no Leblon, confundo ainda os caminhos: as ruas Barão de Ipanema e Barão de Capanema se misturam, sempre que penso em uma das casas: tanto o meu “apê” em Copacabana quanto o meu quase “flat” nos Jardins. “Sinal” ou “farol” saem de mim sempre trocados no pedido ao taxista para me deixar num deles, e então “saltar” (só um carioca “salta de um veículo!).
Faço parte da fila organizada na banca/revistaria de jornal da Avenida Faria Lima (da primeira vez, não acreditei, fotografei e postei!), da mesma forma com que continuo não entendendo o atropelo diário na banca de um italiano na Avenida Ataulfo de Paiva, onde todo mundo interrompe minha compra e ocupa o jornaleiro enquanto ele está (ou estava) me dando atenção. A abordagem vem como uma bala: “rapidinho!”, diz o apressado que me obriga a esperar e, simpático, me agradece com o tal “valeu!”, ao que respondo automaticamente “magina!”, termo “multitask” paulistano que serve para quase tudo.
Mas, de alguma maneira, a vida funciona “lá como cá”, como diria o mestre Zózimo Barrozo do Amaral. Se, no Rio, a pontualidade não é imprescindível (marcam-se horários tão flexíveis quanto “onze e meia / meio dia”), em São Paulo, ela é fundamental, nunca se esqueça. Não se elogia a pessoa pontual, mas, se chego atrasado, acabo ouvindo: “carioca, né?”
Aliás, também tenha em mente, amigo do Rio: São Paulo não se chama de Sampa. Afinal a seriedade da capital “business oriented” não permite internamente esse apelido alienígena. O que chama atenção nessa megalópole é a possibilidade permanente de uma certa comercialização nas amizades. Tem muita gente que entende que amigo é aquele com quem se pode fazer negócios, pois se trata de uma cidade onde o trabalho e sua produção podem ser o melhor caminho para a realização interpessoal de todas as formas: da profissional à amorosa. Estou errado?!?
Por outro lado, o Rio tem um não sei o que de malemolente, de “deixa a vida me levar”, de “vamos que vamos”, de uma informalidade que permite até uma maior intimidade. Na antiga Corte, você almoça com o príncipe, de bermudas, enquanto, em São Paulo, a princesa é uma “influencer” superproduzida, o arquiteto pode ser um dândi e a dermatologista é a linda de pele impecável. A bagunça fica meio escamoteada, mas acontece com fervor nova-iorquino dos anos 1980, sem medo de ser feliz.
Em São Paulo, a gente treina; à beira-mar, todo mundo faz “gináxtica” ou “acadimia”. Sim, o sotaque é outra das diferenças, e o palavrão no Rio é mais liberado: enquanto o carioca “sacaneia” o paulista, este não “zoa” com a Cidade Maravilhosa – ama “de paixão” o lugar onde olhar a praia, estando dentro de uma piscina de hotel de primeiro time, é o auge!
Brincadeiras à parte, estar nas duas imensas cidades, nesse vaivém, é um imenso/”puta” privilégio. Faz você se sentir um ser ativo, produtivo, alguém quase estrangeiro e local ao mesmo tempo, onde quer que esteja — e este é, pelo menos para mim, o melhor dos mundos. Tento aproveitar o momento tão difícil para todos e curtir o que é bom. Procuro sentir-me em casa em qualquer situação.
A vontade de rever as pessoas e os lugares que te acolhem, no meu caso, o eixo Rio-São Paulo, deve ser curtida o tempo todo, intensamente. Mas lembre-se: códigos específicos precisam ser cumpridos, pois o acolhimento tem suas características próprias em cada lugar.
Estar no Rio, cercado de Mata Atlântica por todos os lados — em casa, no morro de Copacabana; no escritório /galeria, no Beco do Boticário; e no Museu da Moda/Casa Zuzu Angel, na Usina, onde vai acontecer a mostra Modernos Eternos ao lado do Maciço da Tijuca – é demais! Mas passear nos Jardins, ir aos melhores shoppings, receber e visitar os amigos em casa, mesmo em São Paulo, não tem preço. É muito gostoso! Viva a ponte aérea, nem que seja em um bate-volta!
O carioca Sérgio Zobaran é jornalista; produtor de eventos e curador de várias exposições de decoração. No dia 7 de setembro, traz a “Modernos Eternos”, criada por ele em 2014, para o Museu da Moda Casa Zuzu Angel, enquanto se prepara para a 8ª edição da mostra na capital paulista, em outubro, no Museu de Arte Sacra. Zobaran também é autor do livro “Evento é assim mesmo!” (Ed. Senac/RJ).