Não sou a favor dos guetos, redutos, cotas e reservas de mercado. Mas tem hora que acho que seria bom contar com uma listinha de profissionais vegetarianos ou (vá lá) veganos.
Nutricionistas, principalmente.
— Sua B12 está muito baixa. Isso é falta de proteína animal.
— É que eu não como carne.
Corta para a cara da nutricionista, te olhando como se você tivesse dito que um inseto transmissor do chip que altera o DNA te abduziu virtualmente durante uma sessão de côutchim quântico por meio do 5G.
Não dá para explicar, no meio de uma consulta, o que é ética animal. Definir senciência (s.f. Capacidade de sentir, de entender ou de perceber algo por meio dos sentidos). Argumentar que o ser humano não pode ser comparado a um leão caçando gazela, porque o leão só se alimenta de carne, só mata quando está com fome, e não tortura a gazela anos a fio, antes de devorá-la.
— Nem ovo?
Não, nem ovo. Daria pra abrir na hora um videozinho que mostra como vivem (vivem?) as galinhas poedeiras. Mas é melhor seguir a consulta, e mandar o linque depois, pelo zape.
— Leite, então?
Não.
— Nem iogurte?
Nem iogurte.
— Mas queijo você come, pelo menos?
Sim, como queijo. Desse eu não consegui desapegar, ainda. Mas como pouco. Queria poder comer mais, mas como cada vez menos. E é questão de tempo para que o canastra, o parmesão, o provolone e o minas padrão virem uma lembrança distante, como o mingau de maisena, de farinha láctea ou a papinha de batata baroa.
— E também passo manteiga no pão.
Aí recebo aquele olhar de “Enfim, a hipocrisia”.
É que, para o/a nutricionista não vegetariano/a, você vai de imbecil (porque não come bife) a hipócrita (porque passa manteiga no pão) num piscar de átimo de segundo.
— Então o jeito vai ser te passar um suplemento.
Ótimo, era exatamente isso que eu queria. Quer dizer, eu queria mesmo era uma dieta na qual eu tivesse todos os lipídios, proteínas e carboidratos — e a crueldade ficasse de fora. Quem sabe com grãos, legumes, frutas, folhas, raízes…
O/a/e nutricionista/e me olha como se eu estivesse pedindo paz na Terra, vizinhança silenciosa, desencalhe expresso no Canal de Suez, fim do “aí” e do sujeito duplo na fala dos repórteres e analistas políticos, respeito ao loquidáum e tratamento dentário sem motorzinho. Tudo ao mesmo tempo.
Saio com a receita de um suplemento vitamínico e a nítida sensação de, às minhas costas, alguém estar meneando a cabeça fazendo tsk tsk tsk.
Já tive experiência com um dentista “não sou petista, mas” que, se aproveitando da minha impossibilidade de retrucar, tentava me convencer a votar no Haddad ou, pelo menos, no Ciro. Eu fazia “Aham” e lutava para abstrair da doutrinação e do motorzinho. Já frequentei academia em que o instrutor insistia em passar série para panturrilha. Já fui a jantares em que a dona da casa não se conformava com eu não querer experimentar o pimentão.
Agora só quero dentista isentão. Personal focado em peitoral. Culinária pimentão-free e coentroless. E, claro, nutricionista vegetariano/a/e. Ou que disfarce bem o desdém.
Aceitam-se recomendações.