Você já contou quantos sapatos tem guardados — e que estão há meses isolados nas prateleiras? Já contabilizou quantos vestidos estão enfileirados no guarda-roupa? Faz tempo que falamos sobre os excessos de consumo e como eles impactam o meio ambiente. Quem nunca se pegou tirando do cabide, aleatoriamente, uma roupa ainda com etiqueta?! A quarentena mexeu com muita gente — arriscaria a dizer com todos. E para quem trabalha com moda, como eu, além de refletirmos sobre nosso mercado, passamos a questionar nosso próprio closet; ao menos comigo, foi assim.
Em julho, precisei me mudar de apartamento. Ao deparar com as caixas e mais caixas necessárias para transportar minhas roupas, percebi que eu mesma fora vítima do consumismo desenfreado nesses 12 anos em que trabalhei como gestora de grandes marcas do Rio. Eram dezenas de peças que usei uma vez, inúmeras que estavam com etiqueta e tantas outras que usei um bocado por apenas uma estação e depois, com a chegada de outros looks novos, deixei de lado. Tudo novo, tão bonito! Foi quando me perguntei: por que eu me esqueci das minhas roupas? Por que não compartilhar as peças que amei tanto na hora de comprar e depois ficaram de lado?
Foi quando liguei para meu melhor amigo, o stylist Fernando Castilho, um craque nas vendas que tinha deixado o mercado de moda um pouco de lado. Em meio à pandemia, surgiu uma luz. Vamos criar uma marca bacana “second hand”, com peças escolhidas a dedo, atemporais e tratadas como uma coleção?
A ideia surgiu num momento muito importante, em que eu vinha de um período de profunda reflexão, motivada por muitas perdas: abruptamente, fiquei viúva aos 37 anos, com uma filha para criar sozinha e perdi o emprego no mesmo mês. A pandemia me encontrou em um período em que eu questionava tudo, procurando novos caminhos de cura interior. O estalo de perceber que eu poderia compartilhar minhas aquisições de moda com outras mulheres e servir como canal para que outras mulheres bacanas também compartilhassem seu acervo e sua paixão pela moda teve em mim o efeito de cura, iluminando meus caminhos.
Foi, então, que eu e Fernando tivemos a ideia do nome da nossa loja. Curadoria Store reflete esta ideia de cura, palavra que norteia toda a estratégia, desde curar o mundo, apostando em sustentabilidade e upcycling, e remete à própria curadoria e seleção tão cuidadosa que temos das peças para oferecer a nossas futuras clientes.
A pandemia me fez enxergar que comprar roupas de segunda mão é sustentável e muito chique, sim. E me fez refletir sobre minha própria vocação de trabalhar com moda, repensando o sistema e contribuindo para um maior compartilhamento, acessibilidade a peças de qualidade, me motivando a enfrentar a enorme aventura, e ao sonho que é empreender. Posso dizer que, apesar da tragédia mundial, fiz as pazes com 2020.
Rogéria Félix, consultora e gestora de marca, acaba de inaugurar a Curadoria Store, no Ipanema 2000, que oferece roupas do acervo de cariocas superbacanas.