Nesta quinta (10/12), a literatura está em festa. A celebração dos 100 anos de Clarice Lispector representa mais, muito mais, para o fazer literário, o escrito na língua portuguesa, do que pode avaliar nossa apelidada “vã consciência”.
Clarice, que se intitulava mais uma jornalista do que escritora, errou em sua autoavaliação, porque tudo que fez, manejando palavras e o estímulo do intelecto em forma de arte, ficou revestido de um grau superior e universal.
Por essa razão, acode-me à memória as muitas conversas que mantínhamos dentro do Conselho de Literatura do Museu da Imagem e do Som, de que ela participava, a meu convite, tanto na busca dos nomes para os depoimentos destinados à posteridade quanto para escolha dos prêmios Golfinho de Ouro e Estácio de Sá, os melhores do ano em literatura. Ao final da tarde, o Conselho de Literatura já encerrado, eu levava Clarice ao seu apartamento no Leme, na Rua Gustavo Sampaio.
Evoco essa memória de amizade e admiração porque, já naquela época, muitos críticos intuíam, dentro e fora do Conselho, que caberia à Clarice uma consagração internacional. Sua literatura, absolutamente original para a época, estimulava o futuro, projetava audácia, arquitetava beleza e surpresa.
Seguem abaixo, tanto como farei amanhã com seu vizinho de data de aniversário, Noel Rosa, algumas frases que definem a essência do seu pensamento provocador.
1- “Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir.”
2- “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
3- “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
4- “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
5- “O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.”
6- “Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor, que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.”
7- “Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar.”
8- “Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e, mesmo assim, me sentir como se estivesse plena de tudo.”
9- “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato… Ou toca, ou não toca.”
10- “E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.”
11- “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”
12- “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.”
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical.