No livro “Quebrei na pandemia, e agora?”, busco apresentar um canivete suíço de soluções contendo ferramentas necessárias para ajudar o empreendedor brasileiro neste momento.
O que mais serviu de inspiração foi que, constantemente, empreendedores do nosso país, de diversos tamanhos, perguntavam-me o que fazer na hora de negociar com bancos, governo e locadores. O fato da vida é que esses credores, quando se sentam do outro lado da mesa, além de muito bem assessorados, vão de forma extremamente violenta contra o empresário. Já participei de negociações de dívida em que o outro lado, um banco, chegou a levar um delegado de polícia para a reunião. Além do terrorismo psicológico, ameaças contra a casa, o negócio e a conta bancária do credor são comuns.
O empreendedor tem que estar munido de informação quanto ao que o credor pode ou não fazer e, principalmente, o que nós, empreendedores, temos como recurso, legais e negociais, na hora do aperto.
Entre as estratégias do livro, exploro muito o recurso da recuperação judicial – uma forma, prevista na lei, de renegociar todas as dívidas em bloco, com condições muito mais interessantes para o devedor. Também exploro outros recursos antes da entrada na recuperação, que podem não só ajudar o empreendedor a sair da crise, como também os credores a receber suas dívidas.
No momento do aperto, é muito importante o empreendedor saber a melhor maneira de reduzir custos. É importante priorizar os pagamentos, das formas a seguir descritas.
1. Trabalhadores — em caso extremo, dá para fazer seu time trabalhar para você, atrasando uma folha. A melhor maneira de explicar a situação é reunir toda a equipe, olho no olho, comprometendo-se a pagar em uma nova data. É a famosa bala de prata: só pode ser usada uma vez. Depois disso, espere insubordinação e queda drástica da produtividade. É o último recurso; em geral, mostra que a empresa chegou ao limite.
2. Fornecedores essenciais — das duas, uma: ou vão gerar problemas para os seus estoques, consequentemente afetando as vendas, ou você irá para o fim da fila, em qualidade e prazo. Use como um dos últimos recursos.
3. Aluguéis — também oferecem alívio imediato, e você tem três meses para resolver as suas pendências antes da decretação do despejo. Na Recuperação Judicial, existem casos que protegem o despejo pelo fato de os pontos serem fundamentais para a continuidade do negócio.
4. Fornecedores não essenciais — geram complicações no dia a dia e perda de produtividade, mas não pararão a sua empresa. Tente negociar um parcelamento (alongamento, haircut e taxa) com o fornecedor do café ou de tintas para impressão.
5. Impostos — fora o alívio imediato, demora a gerar complicações para a empresa. Há sempre a possibilidade de parcelar a dívida tributária. É um excelente recurso para gerir o caixa da empresa da crise.
Falando um pouco sobre as previsões de final de ano, é muito importante o empreendedor ter ciência de que a crise não acabou. Com o fechamento das lojas físicas por conta da pandemia, as receitas do varejo foram drasticamente afetadas. Recursos como a Medida Provisória 936 (MP 936) – que prevê auxílio estatal no pagamento de folha de funcionários – e, dada a conjuntura, a possibilidade de diversas renegociações, principalmente com relação à redução das despesas de aluguel por parte dos locadores, ajudaram o varejista a passar pelo pior momento da crise.
Em termos de gestão de estoque, o mercado teve de se adequar, acelerando a política de markdown (remarcações para baixo de preços, feitas de forma gradual) para compensar a queima de caixa que viria no período, aproveitando o estoque excedente devido à falta de receitas nas lojas físicas no período. No caso dos clientes da consultoria, identificamos uma queda dos preços médios praticados na ordem de grandeza de 30%. Ou seja, uma roupa que custava 100 reais em 2019 passou a ser vendida por 70 reais em 2020.
Entretanto, o verdadeiro problema começa agora. A volta de 100% da obrigação salarial com o término da MP 936 (e da estabilidade daqueles que gozaram da MP 927), além da expectativa de que os locadores voltem a cobrar 100% do aluguel – ao mesmo tempo que a demanda continua em níveis bem abaixo do mesmo período no ano anterior — trará consequências preocupantes.
Um “efeito manada” está ocorrendo, no qual os varejistas estão desesperados atrás de estoques para garantir as vendas de Natal e black friday, mas esquecem que as fábricas também estiveram fechadas e sem produzir. No caso do varejo de moda, fala-se, entre os fabricantes, de uma falta generalizada dos fios de algodão. Falta de tudo: de zíperes a seda.
O varejo deve enfrentar duras quedas de margem nesse último trimestre. Com problemas de abastecimento e despesas salariais e de locação crescente, poderemos vivenciar uma onda de recuperações judiciais nunca antes vista. Espere atrasos significativos e problemas de qualidade. Não é porque o varejo reabriu que é a hora de afrouxar os cintos. Muito pelo contrário…
Giuliny Shauer é CEO da Wöllner e autor do livro “Quebrei na pandemia, e agora? Um guia para gestão de crises no mundo empresarial e varejo” (Editora Approach), recém-lançado.