Todo homem precisa acreditar em alguma coisa que seja perene e obedeça a leis universais, imutáveis.
Como a que diz que a vizinha de cima sempre vai arrastar móveis de noite.
Que o casal que foi ao cinema só para conversar vai se sentar a menos de 3 metros de você. E falar mais que locutor de supermercado em dia de promoção na seção de produtos encalhados.
Todo homem precisa ser fiel.
Eu escolhi ser fiel à manteiga Aviação. Ao leite Moça. Ao polvilho antisséptico Granado.
Admito que já fraquejei, pulei a cerca com outras marcas, mas retornei à manteiga, ao leite e ao pó, com o rabinho entre as pernas.
Todo homem precisa ter fé.
Haja o que houver, passe por que provações tiver que passar, tenho fé no Botafogo.
Contra todos os placares e todas as evidências.
Se Garrincha, Didi, Nilton Santos, Leônidas, Gerson e Jairzinho estão por mim, quem estará contra mim?
E olha que nem precisei invocar outras divindades do panteão — Túlio Maravilha, Loco Abreu, Seedorf, Paulo César Caju, Dodô.
Nem apelar para Zagallo e Heleno de Freitas.
E tenho fé em um dia ser bem atendido pela Claro. Que petistas e bolsonaristas tenham uma experiência mística e se convertam em democratas. Que algum caminhoneiro me dará passagem na subida da serra).
Todo homem precisa honrar suas tradições.
Sou zeloso dos valores que me conectam aos meus antepassados. Que me conferem uma sensação de pertencimento.
É por isso que o feijão vai por cima do arroz. Que o ovo é cozido por apenas um minuto e comido, gema molinha, dentro da casca, com uma pitada de sal e pimenta do reino. Que o café é passado no coador de pano (e sem mexer com a colher!).
Respeito os ritos. Como a meia combinar com o sapato, que combina com o cinto. Sapato que jamais terá fivela ou berloque — mas cadarço. De os lápis estarem sempre apontados — mesmo o lápis branco, que sobrevive a todos os outros porque nunca é usado. Mas a ponta estará lá, aparada com esmero. Expectante pelo momento de ter alguma razão de existir. Assim como o pacote de camisinhas na mesa de cabeceira, nestes tempos de quarentena e pandemia.
Acredito nos poderes do chá de limão, da compressa de angu quente aplicada nas costas e no peito, no lenço embebido em álcool e amarrado em volta do pescoço, para curar gripes, resfriados e bronquites.
Todo homem precisa de valores.
Eu prezo os meus, sejam eles em dólares, euros ou reais (bitcoin, não, que minha cota de ingenuidade dobrou a meta quando comprei uma máquina de lavar Enxuta, nos anos 80).
Acredito que um homem não seja nada sem o livre-arbítrio.
De que adianta um cérebro com quase 90 bilhões de neurônios, fazendo 100 trilhões de sinapses, se não exercermos a liberdade de escolher entre o Bem e o Mal ou decidir onde tem e onde não tem hífen? Seremos condenados ao canibalismo de comer pés de moleque, quando tudo que queríamos era comer pé-de-moleque. Cairíamos no golpe de comprar um imóvel de uma dona-de-casa que não era dona de casa nenhuma.
# Fidelidade acima de tudo, mas só se a felicidade estiver acima de todos.
# Fé cega, com a desconfiança bem afiada.
# Dê o troco a quem não te der o valor exato.
# Meu hífen, minhas regras.