Eu tive uma Labradora, a Amora, que ganhei de uma amiga — foi o presente mais adorável pra mim. Ela viveu até 2017, quando estava com 16 anos. Aproveitei cada minuto dessa maravilhosa convivência. À época, eu já tinha uns poucos gatos, e eles levaram um tempo para se acostumar entre si. Meu amor pelos animais é antigo: meu primeiro gato ganhei da minha babá, Conceição, que o salvou da enchente de 1966. Eu tinha 2 anos de idade, e já existia um cachorro em minha casa, o Flint.
Tive também um pintinho azul de festa, que, em vez de morrer, virou um galo branco enorme e andava atrás de mim. Coelho, porco-da-índia, periquito, tartaruga… Era bicho, era comigo! Em 1978, mudei-me de um prédio muito bonito do Carlos Guinle, no Flamengo, para o meio do quarteirão. Foi aí que me instalei no Biarritz, cópia de um prédio francês, originalmente localizado, acho eu, na Avenue Montaigne (em Paris).
Os anos se passaram, e o prédio, que era bonito, bem tratado, com ótimos moradores, foi mudando. As reuniões de condomínio eram motivo de encontro, com todos muito elegantes, como se fôssemos a uma festa, feitas sempre na casa de alguém. Atualmente, passou a ser na garagem do prédio, com cadeiras de plástico. Com o tempo, as pessoas se mudaram, alguns se casaram, outros foram morar fora; enfim, a vida mudou. Desses vizinhos da década de 70, restam muito poucos entre os 22 apartamentos.
Depois desse preâmbulo, quero contar que, de certo tempo pra cá, vieram os problemas e as reclamações constantes — por tudo, até se alguém pendurar um quadro na parede, às 8 da noite. O meu primeiro problema surgiu no final da vida da Amora, há três anos, quando ela não mais andava e estava com cognição comprometida. Recebi uma dessas notificações sobre seus “latidos incomodativos”. O único problema é que minha querida cachorra havia morrido há um mês! Desci e informei que só em mesa branca para me comunicar com ela. Na sequência, recebi outra notificação, desta vez, por causa dos gatos. Sei dizer que a capacidade da convivência pacífica foi-se com os velhos moradores. O diálogo foi substituído por notificações vindas de um advogado qualquer e, também, pela visita da vigilância sanitária, que constatou não existirem mau cheiro nem sujeira. Um prédio onde todos se respeitavam passou a ser um bloco de multas enlouquecido. Não seria melhor o diálogo?
Esta semana, acordei com uma nota na coluna do Ancelmo Gois, dando conta de minha condenação por barulhos causados pelos gatos e cachorros. Uma ação judicial, qualquer um pode ganhar ou perder; faz parte, não é vergonha nenhuma. Vergonha seria eu não lutar pelos meus, e por eles faço qualquer coisa. Estou na Justiça contra a ação para não pagar uma multa que considero injusta. Quero registrar como isso mostra a intolerância em relação ao outro.
Estou sendo acusada por aquilo que ninguém pode provar. No entanto, não posso deixar de registrar minha dor por morar num prédio onde pago condomínio de quase R$ 5 mil e tenho a liberdade de meus animais tolhida. Não há multa, não há processo, não há vizinho que vão mudar o amor que tenho por eles.
Alexandra Archer é empresária e apaixonada por animais. Vive com gatos e cachorros em seu apartamento, no Biarritz.