Donos de restaurante, chefs e empresas diretamente ligadas, não conseguem manter-se ativos com a política de governo atual. Quase ninguém tem caixa para se manter fechado — só com delivery, que representa 30-40% do faturamento. Depois de quatro meses, muito poucos empresários conseguiram alguma forma de empréstimos com taxas possíveis para um negócio se sustentar, e principalmente estar dentro de valores viáveis para o pós-pandemia. Já temos muitos restaurantes fechando.
Já há estudos que dizem que um em cada três fecharão para sempre, no nosso Rio. Além de tudo, culturalmente, para a nossa cidade, é muito ruim. Casas tradicionais não voltarão e muitas outras, talvez, não consigam manter-se; nossa cidade precisa desse mercado. Nós somos um enorme captador de mão de obra e principalmente somos, muitas vezes, a primeira entrada na vida profissional de uma infinidade de pessoas, que acontece de não ter formação alguma e entram nos nossos restaurantes como lavadores de louças, serviços gerais e viram grandes chefs, cozinheiros, garçons, maîtres; temos inúmeros casos que comprovam isso.
Meu amigo Batista, fiel escudeiro do querido chef Claude Troisgros é um exemplo: hoje é uma estrela de TV. Enfim, precisamos de mais atenção, geramos empregos tanto nas mais baixas camadas quanto nas altas, fomentamos muitas empresas familiares, agricultores, peixeiros, toda uma cadeia afetada pela parada brusca de tudo e indo para uma situação muito ruim. Se fechamos, quem vai comprar deles? Quem alimenta todas essas famílias? Há um ano e meio, meu grande amigo, um irmão, o João Braune, me chamou para visitar a Casa da Glória, que começava uma grande obra.
O casarão do século XVIII, uma relíquia, teria que ser reformado, modernizado, obedecendo às rígidas regras do IPHAN. Seus grandes salões receberiam refrigeração e isolamento acústico, piso especial para dança, iluminação especial para teatro, tudo com capricho e cuidado. Mas as mudanças não seriam só essas: a proximidade da igreja do Outeiro da Glória exigia cuidado extra para que se tivesse um espaço para recepções de casamentos e bodas, e também festas que não fossem ligadas à igreja. Nessa visita que fui fazer com o João, percebi que, naquele projeto múltiplo, cabia um restaurante.
Nascia ali o projeto do Bistrô da Casa e onde entro nessa história. Como a maioria das obras — essa em especial pela complexidade —, atrasou e atrasou mais um pouco, e só conseguimos inaugurar o Bistrô em 18 de janeiro deste ano de 2020. Logo de cara, os brunchs aos sábados se destacaram. Tudo corria bem: eventos acontecendo, casamentos, festas e encontros de negócios. Eu pensava: o ano promete.
De repente, como num pesadelo, chega a pandemia. Era 17 de março quando decidimos parar tudo, por razões óbvias. “Comemoramos” nossos dois meses de funcionamento fechados. Naquele momento, as dúvidas eram muitas; as certezas, poucas. Em um mês, poderíamos ter alguma luz. Esse mês foi passando, passando, e, em nossas reuniões nos zooms da vida, íamos traçando as possíveis estratégias para a retomada.
Foi quando surgiu nosso delivery. Dúvidas muitas — não fazíamos esse serviço antes, não estávamos abertos há muito tempo, muita coisa jogando contra, mas tínhamos esperança. Hoje estamos muito felizes de conseguir transportar para esse novo serviço o modelo e o espírito do Bistrô. E agora, neste momento, estamos nos preparando para uma possível reabertura. Um novo recomeço, por que não?
Como cidadão, estou muito triste pela forma descuidada como os governantes tratam do enfrentamento da pandemia. Acho que poderia ser muito mais fácil, e principalmente rápido, se tivéssemos lideranças capazes e verdadeiramente comprometidas. Os bancos continuam cobrando suas taxas exorbitantes; sem auxílio, não há saída para o setor. Políticas de ajuda foram ventiladas, mas nunca chegaram à ponta. É fatal e é urgente. Precisamos seguir, precisamos seguir.
Christiano Ramalho, ex-CT e ex-Lorenzo Bistrô, é apaixonado por gastronomia. O chef inaugurou seu restaurante, o Bistrô da Casa, na Ladeira da Glória, dois meses antes da pandemia. Desde então, não desanimou: com alguns ajustes, está se adaptando ao momento e já pensando no recomeço — com tudo.