Sempre pensei que quarentena significasse 40 dias em reclusão; hoje, posso ver que ela pode durar muito mais. E é impressionante como nos transforma. Em um dia, acordo sabendo que vai ficar tudo bem, sentindo uma certeza profunda e uma gratidão imensa — um momento de paciência, quando medito e reflito. Há dias em que tudo muda, e o mundo desaba. Nesses momentos, busco algo positivo, como uma simples live que me enche de otimismo e alegria. Uma Ivete Sangalo que te faça pensar: “Que bênção ser brasileira!”. E aí vem um alívio, e o choro é de felicidade.
Aqui, em casa, está sendo assim: minha amiga Michelle, que mora comigo, está trabalhando da sala; montou um escritório e trabalha das 7 da manhã às 8 da noite, além do habitual. Seus projetos de design e iluminação continuam a todo vapor, e ela está recebendo o “Stimulus”, pacote de ajuda financeira do Governo americano. Mas ela está feliz?
O meu caso: apresentadora de tapetes vermelhos e modelo. Nos últimos dias, inúmeros trabalhos foram cancelados: de coberturas de premières internacionais, do novo James Bond em Londres, a entrevista com as Kardashians, MetGala, Billboards, American Film Festival e campanhas fotográficas… Uma lista que só cresce. Quando será que voltarei a fazer testes, cobrir eventos. Ou será que voltarei?
O mercado de entretenimento, definitivamente, é um dos setores mais afetados. Como poderemos colocar 300, 400, 500 pessoas dentro de um espaço para comemorar a estreia de um filme? Enquanto a vacina não vem, não há segurança nas aglomerações. Ao mesmo tempo, tudo isso que me afeta parece pequeno diante de tantas vidas seriamente afetadas, desde profissionais da saúde que não dormem a famílias que veem seus entes queridos partindo.
Com previsões de uma vacina somente para 2021, tudo isso me faz pensar: 2020 está cancelado? Parece até que o Planeta se revoltou com a humanidade, ou com a desumanidade. A isso tudo, somam-se barulhos estranhos vindos do céu. São terremotos intensos em Los Angeles (no dia 11 de abril, atingiu a cidade com magnitude 5,3), vulcões entrando em erupção e vários furacões previstos para acontecer por aqui, o que só faz aumentar o estresse, a ansiedade e a insônia. Com o tempo que sobra — ou mesmo com o tempo que nos falta —, vamos todos dormindo mal e tendo pesadelos.
Michelle não está feliz porque está trabalhando demais, e eu não estou feliz por trabalhar de menos. Como, então, podemos achar algum equilíbrio? Dentre tantas incertezas, o que podemos e devemos fazer é cuidar de nós e dos próximos.
Penso que tudo é um momento de reestruturação física, mental e espiritual, de pensar no coletivo e no fato de que sempre há algo para se agradecer. Pratico yoga, cozinho, falo com a família pelo telefone, arrumo a casa. Estamos produzindo menos plástico, emitindo menos poluentes, valorizando as relações e percebendo que podemos fazer muita coisa pelos outros.
A Terra já está respirando melhor, e o momento agora é de motivação, de entendermos nosso papel e a forma como influenciamos tudo ao redor. Que tenhamos criatividade para continuar nos reinventando, paciência para esperar e força para vencer mais esta etapa. Somos todos parte da cura.
Marília Moreno é modelo e apresentadora. Nascida em São Bernardo do Campo e formada em Publicidade na Belas Artes, em São Paulo, ela mora desde 2010 em Los Angeles. Já comandou programas de variedades em emissoras, como Sony (“Sonywood”), E! Entertainment Television (é correspondente do canal desde 2018) e Grupo FOX. Marília é presença certa na pré-estreia de eventos do cinema, incluindo o Oscar.